sábado, janeiro 27

Miolo de quartinha e carga d'água



Não adianta. Não adianta colocar os dedos sobre o teclado e fazer um download que me leve à inspiração quando os acontecimentos me travam para o escrever e preencher o espaço do blog esta semana.
Já pensei numa série de coisas, fictícias ou reais, e nada. Já li alguns jornais em busca de uma notícia que merecesse um comentário e nada. E olha que encontrei um bocado de coisa: no Paraná, um cinegrafista morreu atropelado por um avião. O rapaz de apenas 26 anos, olhando pela angular da câmera, não percebeu que o avião estava verdadeiramente próximo e sofreu o impacto fatal. Um marinheiro russo, servindo em um submarino, foi preso porque plantou maconha em uns jarrinhos perto da escotilha e estava "abastecendo" os colegas (isso sim é que visão capitalista!); o estilista famoso da Luciana Giminez, Ronaldo não sei das quantas, foi preso no cemitério roubando dois vasos de flores. Ele se explicou cientificamente: disse que estava tomando um remédio antidepressivo que o fazia cometer atos estranhos (participar do programinha é também estranho, mas não é graças ao remédio que ele o faz!). Entre as novas receitas milagrosas de alguns
spas há as que misturam mel, ostras, caviar, amêndoas ao custo de meros 395 reais por sessão, uma pechicha para as feias abastadas (as outra feias se contentam com produtos mais em conta, sabendo que não são milagreiros); Yoko Ono gravará disco intitulado "Yes, I'm a witch" (o que todo mundo já sabia) and so on...
Como dizia Drummond, "Não faça versos sobre acontecimentos...". Sossegue, Carlos, não os farei!
Para os estóicos o homem sábio é aquele que obedece à lei natural reconhecendo-se como uma peça na grande ordem e propósito do universo, indiferente a todas as coisas externas (isso é uma conceituação de não filósofo!). Assim, somos só uma pequena peça de uma grande engrenagem que gira incessantemente sem nos perguntar se queremos rodar ou não. Para quem não se acredita assim, pelo menos não todo o tempo, há sempre a impressão de que "a gente estancou de repente ou foi o mundo então que cresceu/a gente quer ter voz ativa e no nosso destino mandar/ mas eis que chega a roda-viva e carrega o destino pra lá...".

Às vezes alguns levam esse conceito tão a sério – mesmo sem saber nada de filosofia grega – que tudo fica rasteiramente sentido, permanecendo no plano da racionalização; não amam, ficam; convivem anos com um outro e em vez de investir no relacionamento, ficam esperando pelo seu fim; não se emocionam mais com as catástrofes, com os que morrem "de graça" porque estavam passando na hora que a terra abriu; nada é um problema, porque em algum lugar existe uma solução, a questão é saber esperar.
Quisera eu ter só um pouco de estoicismo e saber esperar. Mas, não sei esperar tampouco ser estóico. E não sou ingênua de pensar que o tempo é negociável, pois há muito, ainda em um livro do curso ginasial, li fragmento de um sermão de Pe. Vieira, intitulado Amor Menino, o qual me ensinava que "tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba. Atreve-se o tempo a colunas de mármore, quanto mais a corações de cera!".
Quisera entender porque se diz a alguém eu te amo e beija-se e transa-se com outro; quisera saber como ter filhos e deles não cuidar; quisera aceitar que se passa caviar no rosto quando se nega uma esmola na esquina; quisera entender porque quando não se tem talento a solução é encostar-se em alguém e tirar-lhe o sangue até mesmo depois de morto; quisera compreender porque os que morreram por fatalidade não causam pena em alguém; quisera achar normal o comércio de uma droga considerada por alguns como "leve".
Na verdade, quisera nada. Eu não quero entender nada disso. Quero continuar burra, ignorante. Quero continuar beijando só uma pessoa; quero dar receitas de como cuidar de filhos, já que não os tenho (e nessa falta, transfiro chamego para o meu sobrinho, gritos e afagos para meus alunos); quero ter pena dos que morrem assim no caminho de casa (mesmo sabendo que a hora da morte para nós nunca é a hora certa); quero ter raiva dos que ficam encostados aos outros, sugando-lhes o talento; quero achar uns merdas os que gastam muito com amenidades e não ajudam ninguém, os que adoram o deus dinheiro; quero continuar achando que não existe droga leve, que todas fazem mal.
O que eu queria mesmo eu já consegui: coloquei os dedos no teclado e escrevi o que tinha de escrever. Agora, vocês que leram que se virem!












** O título é uma expresão nordestina que significa conversar à toa.

domingo, janeiro 21

O ato nosso de cada dia

Com dinheiro pouco, entre comprar um livro cobiçado e uma blusa necessária, prefiro o livro. Quem senta comigo em restaurante sabe que ao final meu impulso é juntar os pratos e limpar a mesa. Maníaca por revista, antes de ler, folheio-a de trás para frente. Quem trabalha comigo vê minha agonia em dar conta da papelada sobre a mesa, em organizar os documentos em pasta e revirar as gavetas frequentemente, jogando o desnecessário fora. Anormal? Transtorno obsessivo compulsivo?
Uma amiga não usa sabonete em banheiro público, a não ser que seja líquido. Outra, na época que trocaram as lâmpadas públicas de mercúrio pelas de sódio, me telefonou dizendo que o remédio antidepressivo estava fazendo-a ver as ruas amarelas. Uma outra adora misturar sobremesas doces com salgados.
Kim Bassinger, ao ganhar o Oscar pela sua atuação no filme Los Angeles – Cidade Proibida, torcia muito mais para perder do que para ganhar, pois ganhando, ela teria que ir à frente e dizer algo. A atriz sofria de Síndrome do Pânico. Michael Douglas, após a filmagem de Instinto Selvagem, admitiu que tinha compulsão sexual; Elvis Presley, hipocondríaco, misturou tantas drogas que o coração arrebentou. Bem conhecido do público brasileiro, Roberto Carlos admite que tem TOC e só combina azul/branco e branco/azul.
Vincent Van Gogh, pintor impressionista, numa crise esquizofrênica cortou a própria orelha, enviando-a ao rival Paul Guaguin; Salvador Dali, acometido de um transtorno psicótico, tinha dificuldades em enfrentar o real, transformando sua excentricidade em imagens de um tempo distorcido; Beethoven, capaz de tantas sinfonias, oscilava entre sensibilidade e explosões por pequenas coisas, isolando-se para compor e ameaçando quem o perturbasse. Hemingway, Edgar Allan Poe, Edward Munch, Picasso, Tostói, estilos e artes diferentes, gênios das letras e das artes tendo em comum algum distúrbio depressivo, patológico que lhes atrapalhou a vida ou provocou-lhes crises isoladas.
Os parâmetros de normalidade/anormalidade têm variado muito no decorrer do tempo, principalmente se sairmos do terreno exclusivo das doenças mentais (esta própria com novo conceito atualmente). A ética anuncia todos os dias a diferença entre o agir moral e o imoral, até mesmo o amoral, aquele que não se incomoda com regra nenhuma seja boa ou ruim.
Nesse sentido, os conceitos de moral são esquecidos por que a maioria acha que o normal moralmente se estabelece quando algo acontece muitas vezes, muitas pessoas o praticam, acham legal. Assim, é normal e moralmente correto jogar lixo no chão e criança no lixo, furar fila, chegar atrasado ao trabalho e faltar continuamente, desperdiçar água na calçada, fumar em ambiente fechado, ligar o som do carro em alto volume e por aí vai. E o pior, de tanto se ver atos agressivos, a violência já não espanta e fica sendo normal bater na mulher porque se tem ciúme, roubar porque não se tem emprego, participar de rachas nas ruas provocando acidentes de trânsito, policia bater primeiro e perguntar depois, ter uma arma e exibi-la aos amigos, usá-la por qualquer somenos.
Estamos correndo o sério risco de internalizar o errado como normal. As manias próprias de cada um que não causam prejuízo nem abalam a ética, só mesmo a quem conosco convive, pois tem de aturá-las, podem muito bem continuar e entrar no folclórico mundo das conversas de bar. Mas, se é normal impor o ponto de vista; sair por aí furando fila; colocar Aviões do Forró (meu Deus! ninguém merece!) no último volume no som recém instalado naquele velho Monza; ter apenas dó da colega que agüenta grito do namorado, sem alertá-la para o fato; ser indiferente a quem morre por negligência ou porque a pessoa não aceitou que o relacionamento acabara; achar normal que meu aluno leve uma arma para a escola, roube o celular do colega, então,... aí sim, estaremos assumindo definitivamente que não somos nada normais.
Teremos perdido nossa capacidade maior, que é o discernimento em respeitar o outro, nossa capacidade de amar, não com um amor apaixonado, sem limites – como diz o Rei – mas com o amor necessário à raça humana, pois esta "é uma semana/do trabalho de Deus.../a ferida acesa/ uma beleza, uma podridão/o fogo eterno e a morte/a morte e a ressurreição.../risca,rabisca, pinta/a tinta, a lápis, carvão ou giz..." (Gilberto Gil), e, mesmo que tenhamos nossas descrenças, não nos cabe contribuir para a insensatez, para a barbárie que insistem em tornar normal.


domingo, janeiro 14

Leão ao meio-dia

O leão apareceu no meu caminho ao meio dia em plena avenida, carros e gente passando em linhas retas e transversais. Quando pus o pé na faixa de pedestre, olhei o sinal, levantei o olhar: lá estava a fera, à espreita, prontíssima a me devorar! Sua roupa vermelha alardeava ainda mais suas intenções - não segundas, mas primeira e única: me derrubar ali mesmo. (Se o momento não fosse tão trágico, eu teria rido: aquele leão vestido de vermelho era uma pantomima ridícula de uma tourada servilhana, fazendo da avenida uma arena, certamente esperando ansioso o Olé da multidão!).
Atônita pela surpresa, recuei. O pé voltou em câmera lenta para a calçada e meus olhos relâmpagos relancearam ao redor para ver se alguém estava tomando alguma atitude. Nada. Ninguém deu a mínima para o leão, todos passaram a faixa tranquilamente, prestando atenção aos carros, ao semáforo e tomando cuidado para não atrapalhar a travessia do outro.
O leão lá. Claro agora que o alvo era eu. Mas, o que diabo aquele leão teria contra mim? Não o conhecia, nunca o vira mais magro, mais gordo, menor ou maior! Seu olhar feroz (claro que só podia ser feroz!) congelava-se em mim, e, indiferente ao movimento da rua, ele ficou lá na outra ponta da avenida me esperando.
E agora, José? Parada, comecei a considerar uma estratégia de defesa, porque eu tinha que atravessar a rua, não havia outro caminho a seguir. Percebi que em minhas mãos não havia coisa alguma para jogar naquela fera. Na bolsa, os costumeiros papéis, caneta, celular, uma pasta sob o braço e dentro dela mais papéis e um livro fininho de capa vermelha com um general diante de um espelho. Bem que aquele general, na ficção um exímio caçador, poderia sair dali e me ajudar! O tempo do sinal aberto aos pedestres nunca me pareceu tão longo e intuí que minha saída era aproveitar o sinal verde aos carros e sair correndo por entre eles.
Entre correr por entre carros e correr o risco de morrer atropelada, e ficar parada e correr o risco de ser devorada, era preferível correr, cair e acordar no hospital (porque do ataque leonino eu não sairia inteira, não sob aquelas garras e dentes!).
Fiquei firme, respirei pronta para tomar impulso tal qual um corredor. O sinal abriu, os carros começaram a se movimentar. No primeiro passo, ergui os olhos para ver a posição do leão. O desgraçado também tinha se movimentado e estava no meio dos carros vindo na minha direção. Que merda! E agora? Se ele queria briga, agora ia ter de verdade!
Subi novamente na calçada, caminhei até a faixa e esperei o sinal fechar. Levantei a cabeça e encarei o leão. Ele, o provocador, tinha feito os mesmos movimentos e de lá me desafiava a atravessar (descarado, sentara tal qual a Esfinge guardando certamente a tumba de um faraó – quer dizer, eu dali a poucos minutos!).
O sinal fechou, segurei bem meus pertences, levantei a cabeça e comecei a travessia. O leão parado. E eu atravessando. Parecia que naquela avenida, antes barulhenta e quente, instalara-se de repente um silêncio prenunciando a tragédia, esfriando o sangue de todos para um espetáculo romano em pleno Coliseu. Ao chegar perto do leão, ele se ergueu vagarosamente, balançou a cabeça como cachorro depois do banho e me entregou um papel, sumindo dentro de mim.
Entre desespero e alívio, virei sobre mim mesma e não vi nada. O sinal abriu, os carros passaram, as pessoas esbarravam em mim e eu à procura do leão. Na mão, o papel. Na segurança da calçada, abri o papel e nele estava escrito: "Posso me olhar sem medo de me ver./Já decidi não ajudar no engano./Dói dizer. Mas é preciso./Convivi com centenas, sobretudo/convivi comigo mesmo." (Thiago de Mello).
Que leão safado!

quinta-feira, janeiro 11

EnFIM, a diva!

Depois de seis anos, dolorosa ausência para os ardorosos fãs, a diva Marisa Monte apresentou-se dia 09 no Machadinho para uma platéia bem comportada que cantou todas as músicas, mesmo as dos discos mais novos que não têm um hit popularizado por novela, como Velha Infância, que abusou, apesar da beleza da música (música posta em novela é uma praga: beneficia o cantor por um lado e estraga nosso ouvido por outro!).
A tão malfadada acústica do ginásio não prejudicou em nada a apresentação daquela moça mirradinha, cor de leite, que durante o show passou várias vezes as mãos pelo cabelo numa tentativa de domar a mata em meio a um calor de verão e de refletores. A acústica não prejudicou por uma razão simples e direta: quem sabe, canta; quem não sabe, põe a culpa no equipamento, no local e etc. (Acústica deficiente só foi sentida num pequeno solo de trompete, que ficou parecendo um retinir agudo de apito de trem).
A iluminação, criativa e esteticamente bela, adaptada para um show em ginásio, encantou os desavisados que costumeiramente vão ao Machadinho e foi razoável aos assíduos shows da Vila, do Imirá, onde a iluminação feérica e o público todo em pé fascinam porque se pula e se dança, às vezes até numa pseudo-idéia de show "massa".
Marisa Monte tem construído uma carreira, ao longo de 19 anos, caracterizada como eclética, adjetivo que colou nela como chiclete e que ela, sabiamente, aproveita criando mistérios artísticos e pessoais. Quem sabe o nome do filho da Marisa, hoje com quatro anos? Mano Vladimir (quem me disse foi um colega fã de carteirinha!); o nome do pai da criança, do atual namorado? Dona de sua própria gravadora, grava o que quer, quando quer e com quem quer. E a parceria Arnaldo Antunes, artesão da palavra por natureza, tem rendido boas letras, embora o virtuosismo às vezes atrapalhe. Mas o que importa?
No palco o que importa é ouvir aquela voz refinada em aulas de canto lírico, que no primeiro disco ao cantar South American Way nos fazia lembrar a voz de Billie Holiday, ídolo confessa da cantora, e fazer acreditar que teríamos uma cantora especialista em jazz, mesmo que no mesmo disco houvesse Chocolate e Negro Gato, populares até dizer basta!
O que afirma outra característica da cantora que a moça é: o popular ao ser interpretado por aquela voz aveludada (olha o clichê aí, gente!) transforma qualquer música num clássico, como também aconteceu com a música de pastoril Borboleta.
No público, coisas de sempre: fulaninho emburrado numa evidência que estava ali só para agradar a namorada, preferindo ter gasto os 50 reais dos dois ingressos em outro programa; outro fumando apesar dos declarados abanos de mãos dos vizinhos; um outro que bebeu todas e quase cai arquibancada abaixo, se não fosse amparado pela namorada; gente ligada na rua, nas pessoas, escutando a música sem ouvir, olhando o show sem ver, pensamento em outras dores; outra, enlouquecida, procurando alguém, celular na mão, em pé acenando à escuridão e à multidão, e ainda quem reclamasse de todas as músicas, já que não sabia cantar nenhuma! Eu, por mim, fiquei rouca de cantar, braços doídos de balançar e feliz da vida pelo show e pela companhia. Aliás, um crédito à companhia: se não enchesse tanto a minha cabeça para ir, não teria ido! Sorte minha que não fui teimosa!
Ao final do show, um até breve para a esperança dos fãs que esperam vê-la em tempo menor do que esses seis anos passados. Mas, fã quanto mais demora a ver o ídolo, mas fã fica, pois é necessário continuar acreditando que
"Ela vai voltar, vai chegar/E se demorar, I'll wait for you/Ela vem, e ninguém mais bela/Baby, I wanna be yours..."
Forever.
Ave, Marisa!

OBS.: O google, pai de todas nossas necessidades virtuais, registra mais de 3 mil fotos da cantora. Todas devidamente protegidas, queridos! Mas, aguardem, scanner existe para quê? Como disse anteriormente, fã que é fã é uma praga! tanto fez que me conseguiu uma foto do show. A foto é de Canindé Soares, fotógrafo natalense, e a procura deve-se a Flávia que insistemente ficou fuçando e hoje, dia 11 de março, eu ponho aí.

sábado, janeiro 6

Dançando na vida

Ultimamente, filmes animados estão sendo produzidos com melhor qualidade e quase sempre com um formato meio fábula, aquela historinha que nos contavam anos atrás e que obrigatoriamente ao final tinha uma moral. Se os pais forem bem atentos aprendem muito mais do que as crianças assistindo os tais filmes.
A bola da vez é Happy Feet. Na onda do filme documentário A Marcha dos Pingüins, lançado em 2005 e dirigido por Luc Jacquet, o filme mostra o dilema de um filhote de pingüim que nasce sapateando para desespero dos pais que já se mostram preocupados – pais têm a capacidade de projetar as preocupações para um tempo futuro infindo: o bebê acaba de pôr a boca no mundo e os camaradas já estão preocupados se ele vai ser médico ou pedreiro!
Para os pingüins imperadores é crucial saber cantar, porque se não, nada de acasalamento. Pingüim solteirão nem pensar – se for dançarino, levando pecha de "frutinha" é morte certa (pelo menos pros pais!).
Nessa fábula, o que podemos observar é a discriminação correndo solta desde o momento em que o pingo de gente – quer dizer: o pingo de pingüim – sai da barriga da mamãe - quer dizer: sai do ovo.
Nesse sentido, falham todas as instituições que a priori deveriam dar sustentação psico-afetivo-social ao indivíduo que não apresenta aquilo que está previamente estabelecido como "normal". A própria família se sente ultrajada pela diferença apresentada pelo pimpolho: ora, acha-se culpada por aquele "erro"; ora, envergonha-se do comportamento do filho, pedindo-lhe que seja diferente em nome da moral e dos bons costumes. A escola, coitada!, que mal sabe lidar com os "normais", depara-se com um aluno com uma habilidade diferente daquela que ensinaram a professora a como cuidar. Aí, a solução é tirar o "pingüim" da sala, pois a continuar ali ele vai corromper os demais. Se todo mundo em vez de aprender aula de canto, aprender a sapatear, o que será do mundo gelado da Antártida, o que será desse lindo e pobre país, cuja cor hoje é mais amarelo de vergonha do que verde de esperança?
A comunidade, através do líder, velho sábio e velho, ordena (os pais se calam e se curvam!) que o indivíduo procure sua turma. Para variar, a turma encontrada é de caribenhos cantantes, mui malandros, para quem o sapateador é um astro.
Agora vejam bem: uma criança, um jovem, seja lá que idade tenha: uma pessoa. Uma pessoa tem uma habilidade, um jeito de ser diferente da grande maioria e pela incompreensão é posta a correr em busca da sua turma. Como se pode ir em busca de uma turma, quando não se foi ainda em busca de si mesmo? Como ir em busca de si mesmo se todos os referenciais que deveriam estar ali foram subitamente, traiçoeiramente retirados, deixando-lhe sem prumo? A turma encontrada é sempre a turma errada, lógico!
O sujeito discriminado – qualquer que seja o tipo de discriminação - só sobrevive se encontrar a si próprio antes que o mundo lhe esmague, porque para os diferentes o mundo cumpre muito bem essa função: não existe metamorfose kafkiana (recolher-se ao seu interior) que dê jeito, não existe metáfora que anule as dores sentidas por quem é incompreendido no seu jeito de ser, não existe sinfonia de Mozart que cale as piadinhas maldosas, não há Lexotan que aplaque a dor da mão sobre o ombro num afago falso de compreensão.
E olha que não estamos falando da falta de caráter, de má índole, de bandidismo. Estamos falando de pessoas do bem que se vêem às voltas com esse tipo de atitude. Os que apontam o dedo, donos absolutos da verdade, subvertem a imagem do Criador dando vida a Adão tão bem representada na pintura de Michelangelo. Filhos do Dono do Mundo acham-se donos dos destinos das pessoas que dizem amar, querem moldar-lhes o jeito – que não mata ninguém, nem rouba nada! – ao que acreditam ser a melhor forma de viver.
Não existe fórmula para o viver. Viver só se aprende vivendo!
"É por isso que aqui não faço nada,/a não ser aprender, porque é preciso,/(já algo consigo) a ler na escuridão." (Tiago de Mello).

terça-feira, janeiro 2

Año nuevo à la Mafalda

1.
Mais um ônibus foi incendiado por bandidos no Rio de Janeiro da mesma forma que os anteriores: bandidos chegam, pedem aos passageiros que desçam e fogo! Secretário de Segurança assegura (em que pese a redundância semântica, já que se é de Segurança é para assegurar) que é necessário a intervenção das Forças Armadas;
2.
A manchete diz que gêmeos idênticos nasceram em anos diferentes. Isso sim é que é manchete que desperta curiosidade (e que jornalista bão, hem?!!). Corre-se para ler a notícia e tá lá: um chamado Marcos nasceu às 23h59h de 31 de dezembro de 2006; o outro, por Mateus chamado, nasceu à 0h01 do dia 1º de janeiro de 2007. Para completar a notícia, são mineiros, numa prova inequívoca que mineiro é mesmo um povo que fala pouco, quietinho, tão quietinho que inventou os gêmeos atemporais, uai, sô!
3.
Todo final de ano, ou bem no início de janeiro, há vestibular. Milhares de jovens brasileiros se agoniam, apavoram-se no nervosismo das provas, tentando vaga em Universidade. Um estudo elaborado pelo Instituto Lobo para o Desenvolvimento da Educação, da Ciência e da Tecnologia (SP), comparando o número de vestibulandos em 2002 e a diplomação em 2005, concluiu que apenas metade dos alunos que começou o curso conseguiu terminá-lo, isto é, 49% evadiram-se do sistema. E por que o governo não está estudando as causas dessa evasão que acontece em todos os níveis de ensino? Tá se provando aí que Bolsa Escola, 100 reais do ProJovem, Crédito Educativo não tem segurando ninguém na escola;
4.
Ténicos da Unidade de Pesquisa sobre Clima da Universidade de East Anglia, na Inglaterra, afirmam que 2007 será o ano mais quente até agora registrado devido ao efeito estufa e ao fenômeno climático conhecido como El Niño. Inúmeros cientistas afirmam que o aquecimento global pode ficar fora de controle e mudar totalmente o planeta, a não ser que se tomem medidas urgentes para se reverter o aumento gradual das emissões de carbono. A mudança causará secas e inundações em locais não originalmente propícios a isso. E nós aqui no Nordeste: será que vai chover demais ou esse calorão vai aumentar?;
5.
A ânsia de consumir tá deixando muitos cheques voadores pelas lojas. No mês de novembro foram devolvidos 2,72 milhões de cheques, enquanto os que tinham fundos somaram 137 milhões, segundo informações da Serasa, considerando-se também o cheque que foi apresentado mais de uma vez. Essa conta em dezembro pode ter diminuído um pouco já que muita gente pôs na mão a última parcela do 13º salário ou pode ter aumentado, pois se paga o que se deve e compra-se de novo. Afinal, devo, não nego, pago quando puder é a máxima de muitos brasileiros!;
6.
Segundo dados do Ministério do Interior do Iraque 16 mil iraquianos morreram em 2006 vítimas de ataques envolvendo grupos de diferentes facções. Mesmo que tenha sido aos olhos ocidentais um ditador ferrenho, centenas de iraquianos, principalmente do partido Baath, do qual Saddam foi o líder durante anos, fizeram manifestações de luto e protesto à morte de Saddam pelo que está sendo considerado um ato bárbaro. Iraquianos protestam pela rapidez da execução, acontecida três dias após o final do julgamento, como também pelas imagens que mostram que homens do grupo xiita insultaram Saddam antes do enforcamento. Outro motivo de protesto é que o dia escolhido, 31 de dezembro, é o sábado que marca o primeiro dia do feriado sagrado do Eid al Adha, importante data do calendário muçulmano (Em árabe Eid al Adha significa Festa do Sacrifício. Celebra-se a obediência de Ibrahim (Abraão) a Deus quando este lhe mandou sacrificar o único filho Ismail. Muçulmanos que têm posses matam carneiro – ou outro animal como bode, cabra, boi – dividindo-o entre familiares, amigos e os pobres. Quem leu O Caçador de Pipa lembra-se);
7.
O presidente Lula, ao contrário de outro que pediu para não o deixarem só, lamentou o pequeno público que assistiu a sua posse (só míseras 10 mil pessoas, segundo a Polícia Militar!), comparando-se à festança de deslumbramento de 2002 quando 12 mil pessoas lularam à vontade. O show pós posse, tendo como atração Geraldo Azevedo, atraiu apenas 1.500 pessoas. Lamentando não ter subido ao palco, Lula confidenciou ao cantor que fará um governo mais ousado. Na próxima semana entra de férias, viajando para São Paulo! (Tem que se admitir que a ousadia é grande considerando o congestionamento nos aeroportos e as ações bandidas naquele Estado).
Fora isso e muito mais que não cabe aqui - nem eu li - continua tudo igual nesse segundo dia desse velho ano novo.
(Informações colhidas no Folha On-line)

segunda-feira, janeiro 1

El tiempo pasa

Hoje é Dia Mundial da Paz, Dia da Confraternização Universal. Hoje para os cristãos é Dia de Ano Novo. Mesmo que queiramos considerar este 1º de janeiro um dia como outro qualquer, lá no fundo sabemos que estamos refazendo metas, virando gavetas, jogando coisas/sentimentos fora numa onda de esperança que nos toma para sanar as dores do tempo passado.
Revirar as gavetas dos armários é muito fácil. Revirar sentimentos é cravar um punhal no âmago de nós mesmos, torcendo-o até sangrar além da conta. Mesmo que Drummond tenha afirmado que "os ombros suportam o mundo/e ele não pesa mais que a mão de uma criança", às vezes é difícil não considerar que a tarefa é semelhante à sina de Sísifo condenado a rolar uma pedra montanha acima para em seguida vê-la rolar montanha abaixo, refazendo interminavelmente a tarefa. Porém, lá no recôndito da alma reside "uma louca chamada Esperança/E ela pensa que quando todas as sirenas/Todas as buzinas/Todos os recos-recos tocarem(...)Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada/Outra vez criança..." como tão bem disse Mário Quintana no poema Esperança.
Assim não há o que reclamar, pois apesar das dores, num afã religioso "combati o bom combate", chorei e sorri, gargalhei, chamaram-me de engraçada vezes sem conta, aprendi a comer sushi e sashimi, ganhei e perdi dinheiro, paguei as contas em dia, tive as costumeiras enxaquecas, acumulei livros, não comprei um guarda-roupa, usei Malbeck para inveja de alguns e delícia de outros, fiz novos amigos, descobri lealdades e enganos, cometi erros e acertos, refiz amigos, amei os que me amam e tentei – não queiram algo divino! – perdoar os que me bateram, mesmo que não me transforme num gatinho à sombra de um Bulldog.
Mais que Ano Novo, quero uma vida que se construa a cada dia, pois "el tiempo pasa, nos vamos poniendo viejos, yo el amor no lo reflejo como ayer. En cada conversación, cada beso cada abrazo se impone siempre un pedazo de razón. Vamos viviendo, viendo las horas que van pasando, la viejas discusiones se van perdiendo entre las razones... A todo dices que si, a nada digo que no para poder construir esta tremenda armonia que pones viejo los corazones porque el tiempo pasa" (Pablo Milanes).
Por isso tudo, "...gracias a la vida que me ha dado tanto/ me ha dado el sonido y el abecedario/ con él, las palabras que pienso y declaro/ madre, amigo, hermano/ y luz alumbrando la ruta del alma del que estoy amando" (Violeta Parra).