sábado, janeiro 17

Tchau, boy.

Uma criança é assim como essa música que toca ao abrir essa página: mansa, suave, gradativamente ativa, cheia de vida, transmitindo beleza que não sabemos definir. Nada é mais esperaçoso e belo do que ver uma criança crescer. A vida ali é só ruído, magia, presença de Deus em sua grande sabedoria. Sabedoria que não temos. Se a tivéssemos, entenderíamos por que Rodrigo se foi. Rodrigo que daqui a alguns anos seria o doutor Rodrigo César, mas no domingo passado tinha apenas dois anos e 6 meses.
O Rodrigo pra mim será sempre o boy, pois assim o tratavam as colegas de sua mãe. Não tive muito contato com ele, mas durante um tempo o via quase toda semana num belo pôster em frente de uma loja especializada em fotos no maior shopping da cidade. Na fotografia ele olhava embevecido, sorridente para quem o fotografava. Certamente sua mãe.
Era filho adotivo, mas podia declarar sem medo de errar uma só vírgula que era filho do amor de seus pais, que o desejaram tanto, tanto que após se saberem impossibilitados de serem pais biológicos, saíram de Natal e foram a outro Estado em busca de uma criança. E encontraram-no.
Foi uma odisséia para sua mãe tê-lo como filho. As tentativas de engravidar, os tratamentos que se frustraram não a demoveram do desejo de ser mãe. Não o simples desejo de ter um filho, mas de ser mãe por inteiro, entregar-se a uma criaturinha que no início mal a conhecia, que à noite lhe tirava parte do sono, que lhe deixou tomada de angústia quando teve de retornar ao trabalho, que lhe deixou insegura ao deixá-lo na porta do Centro Infantil pela primeira vez. Vai que acontecesse algo ao seu filho? Medo de toda mãe.
Drummond tem um poema no qual pergunta por que Deus permite que as mães vão-se embora, pois para elas o filho, mesmo velho, "será pequenino feito grão de milho". Se a isso não deveria ser permitido, por que Deus permite que os filhos vão-se embora, deixando suas mães com uma dor inefável estraçalhando o peito, dando-lhes não a impressão, mas a certeza que não mais há luz do sol?
Familiares e amigos, preocupados, tentam ajudar. De acordo com suas próprias crenças misturam palavras de destino, carma, fatalidade, vontade de Deus. Não há respostas. Rodrigo ser o doutor Rodrigo era o destino que sua mãe sonhava. Carma foi ele ter nascido tão longe e ser encontrado por quem verdadeiramente iria cuidá-lo e amá-lo. Fatalidade não existe, acaso não existe, este é o nome quando Deus não quer apor sua própria assinatura. O que existe é que as estrelas vivem no céu, é de lá que elas brilham. Um anjo vem temporariamente a terra e depois parte. Na passagem do nosso tempo, curta, Rodrigo viveu uma eternidade, pois jamais será esquecido.
Rodrigo tinha uma missão. Encontrar uma mulher e fazê-la mãe, por ela ser amado e amá-la naquela cumplicidade que só as almas compreendem. Hoje o luto não se apaga assim, ele é vivido e revivido no cheiro das roupas que ficaram, na impressão que há um barulho de um carrinho pela sala, no primeiro pensamento pela manhã de que precisa aprontá-lo para a escola.
Do que Rofrigo ensinou e deixou com sua mãe e seu pai ninguém sabe. A semente plantada por ele no tempo certo se transformará em árvore e eles verão que na vida há cores, formas, vida, felicidade. A felicidade não lhes foi roubada, pois, privilegiados, tiveram uma criança para cuidar e por ela ser amados. Agora, quando olham para o céu procuram uma estrela mais perto e forçando bem os olhos de lágrimas e de fé podem vê-lo rindo dando tchau.
Tchau, boy.