sábado, agosto 27

TreM

Encrustadas em nós de madeira
açafrão vermelho sobre a cerca
lavas de silêncio serpenteiam
na singularidade ímpar de um sonho.
Paralisa minha mão sobre o gesto
aceno trêmulo na estação
no espaço estreito dos trilhos
arrepio por dentro de paixão.
Vencidos em desejos ímpios
meus pecados te arrastam em convulsão
no labirinto escuro de madressilvas
meu ser descarrila emoções.

segunda-feira, agosto 15

Beco

O pensamento se contrai.
Fixado no caminho, percorre todas as pedras.
Marcas das lágrimas que se misturaram às águas
resquícios de uma vida passada ainda presença onírica.
O pensamento se descontrai.
Os embalos de sábado à noite são sons de bolero
lacrimejando lençóis nos escuros das madrugadas.
Fixado na janela, percorre todas as dores.
O pensamento se retrai.
Redemoinho nos recônditos insalubres da alma.
Por entre as frestas dos dedos
escorrem todas as impurezas de uma vida.
Pensamento se distrai.
Sentimento que aflora por entre o frio dos lençóis
esparrama por todas as pedras secando lágrimas
e no peito cria palma mano a mano beso a beso.


sexta-feira, julho 29

Vidraça

Tenho olhos de cristais
lamparinas ambulantes pelo teu corpo
onde repouso mãos cansadas
ávidas de paz.
Tenho lábios de metais
aços forjados em tua sede
na qual umedeço meus dias
repletos de cais.
Tenho costas de perfumes
frascos embebidos em gotas
onde fragmento minhas noites
acalentadas de ais.

domingo, julho 24

First love

Matheus é apaixonado por Maria. Arriado os quatro pneus e tudo o mais que se pensa de uma paixão. Maria sabe, mas finge que não percebe, ela não pode fazê-lo acreditar que ele é único, especial. É atenciosa com Matheus, puxa conversa daqui, dali e Matheus vai se revelando. Cada dia inventa assunto para se exibir diante da musa. Pra ele a vida é injusta, é o que costuma dizer. Como pode Maria não querer somente a ele? Ele fica desolado com a situação.
A paixão de Matheus é tanta que a raiva lhe sobe à cabeça quando Maria dá atenção a outros – seja quem for. Chora, esperneia, pergunta se Maria o ama. No período em que Maria ficou de férias, ele não se conformava que iria ficar duas semanas sem vê-la. Não era justo! O jeito era se virar com os jogos do seu time, torcendo para que ele não perdesse e fosse rebaixado de divisão.
Matheus sabe que Maria tem namorado, mas não o conhece. Até já perguntou se os dois moram juntos e ao receber um não como resposta, disse que não entendia, porque namorado mora com namorada. Pra ele, não tem essa coisa de duas casas. Como não conhece o namorado de Maria, Matheus não sente ciúmes dele. Tem ciúme daqueles que passam a manhã inteira ao lado de Maria, pedindo sua atenção. Anda pensando em pedir autoridade a Maria para dispensar esses que a querem também.
Vez por outra o sossego de Matheus é ameaçado com a idéia de que depois de dezembro ele e Maria não vão se encontrar todos os dias. Maria já disse, vez por outra fala no assunto, diz que não vai dá, prepara o terreno. Matheus, calado, pensativo. Maria pensa que ele não vai dá um jeito de vê-la. Ela que pense, ele sabe que vai.
Antes que aconteça a partida, Matheus não dá trégua. Quer beijinhos e chamegos de Maria, mexe com os cabelos dela, já tentou até chegar perto do peito e dá um mísero cheiro, mas foi segura e delicadamente afastado. Não pode, Matheus!
Ele não vê nada de mais nesse carinho. Adora Maria, sim, e daí? Se pudesse morava com ela. Embora Maria goste muito de Matheus, e fique encantada com seus carinhos e amor tão declarados, precisa cuidar para que esse bem querer de Matheus não se quebre. Afinal, ele é seu aluno de cinco anos.

quinta-feira, julho 21

Licença

"Eu quero uma licença de dormir,
perdão pra descansar horas a fio,
sem ao menos sonhar
a leve palha de um pequeno sonho.
Quero o que antes da vida
foi o sono profundo das espécies,
a graça de um estado.
Semente.
Muito mais que raízes." - Adélia Prado.

sábado, julho 2

Lâmina de ViveR


O pessoal de publicidade é muito criativo ou muito louco - ou ambos. É inegável, no entanto, a visão que se tem sobre a tirania dos baixinhos: crianças à mercê dos pais, querendo que suas vontades prevalençam sobre tudo - o mais grave, sobre todos.
O comercial - desconsiderem o título, pois não é o melhor comercial do ano de 2010 - para vender a velha gilette, usa a supremacia da criança sobre o adulto, embora a visão seja muito hollywodiana. Mesmo assim, não se pode deixar de observar que há uma certa apologia à violência para que através dela se consiga o amor da mãe. O complexo de Édipo aí é tão explícito que se chega a sentir pena do pobre pai.
Pobres pais, pobres crianças!
Pobres de todos nós que vivemos em uma sociedade que para vender lâmina de barbear apela para um mundo no qual a pele dos bebês era tão suave, que a mãe esquecia o marido e este, raivoso, ciumento, descobre a lâmina de barbear que deixará sua pele tão suave quanto a do filho que a esposa acaricia. Aí, é macho contra "macho" em luta pela fêmea. Achando pouco, o comercial diz que babies e homens, pai/filho poderão lutar com armas iguais, que o homem terá sua vingança, tendo a esposas de volta.
O baby aí, esquecido, abandonado pela mãe, vai à luta - e que luta. Para ter a fêmea só lutando. Luta por beijos, finaliza o comercial. Um final suave, mas o estrago já fora feito.
Não acho que televisão cria comportamento, ela amplia. O vídeo é exemplo de um comportamento que prolifera por aí. Pais e filhos precisam ter atenção desdobrada ao tipo de relacionamento que estão mantendo. Se criando laços afetivos de verdade ou rivalidades mal disfarçadas.

segunda-feira, junho 27

ExiStência

Cada dia ou noite é dádiva
que o existir nos confia.
E será talvez tão sábia

quanto é em Deus a alegria.
Na imperfeição que se abafa
e o humano se procria.
A fábula não tem flor,
apenas espinho escrito.
E onde resvalam mitos,
desfilam frutos extintos.
E destila sob o nada
barril de castiço vinho.
E que amor apenas arda
até transbordar o corpo,
todo copo de alma à alma.
E o mundo seja palavra.
E a palavra então me sorva.
Feito de pó, musgo, sombra,
tempo, tempo cobres tudo
só a ti mesmo não cobres.
CASTIÇA CANÇÃO DE ALMA - CARLOS NEJAR.

quarta-feira, março 30

Outdoor

Saindo para almoçar, passo em uma grande avenida da cidade e vejo o outdoor com uma frase, ao fundo uma foto de um carro belíssimo: "Carol, a fila anda. Eu estou fazendo mais sucesso do que o carro aí de cima. Beto." Fiquei pensando na Carol. Coitada! E na coragem do Beto em alardear para a cidade inteira - pelo menos a parte que transita por ali - sua dolce revanche. Pode ser que Beto não esteja bem, pode ser que Carol esteja. É mais provável que Carol esteja péssima e Beto melhor do que coube as palavras no outdoor.

Fiquei pensando na vida. Não nas filas, mas nas voltas que a vida nos dá. Passamos a vida inteira planejando formas de dá um jeito na vida, quando na verdade é ela que vai dando voltas e nos dando um jeito. De tanto jeito que nos dá, a gente termina um belo dia com o jeito da vida.

Depois disso, a gente começa a pensar no jeito que vai dá à vida que nos fez tomar esse jeito. E de jeito em jeito, a gente toma jeito, a vida toma forma.

E como tudo que se escreve já foi dito por alguém, nada melhor que a poesia do velho e bom Chico Buarque.


segunda-feira, março 28

L'amour


Em 1875, George Bizet, compositor clássico francês, escreveu a ópera Carmem, na qual conta a estória de uma cigana envolvida com um soldado, a quem no final, depois de atraí-lo para o bando de contrabandista, anuncia não mais amar, preferindo ficar com um toureiro.

A música hoje se tornou bastante popular nas vozes de cantoras clássicas, como Sarah Bringhtam ou Nana Mouskori.

O que a ópera - e a música especialmente - conta é que o amor é um pássaro rebelde, ninguém o aprisiona, sendo um ser dotado de poder e querer próprios. Quantos de nós já não se perguntou por que amava fulano e não sicrano? Além de ser rebelde, o amor é boêmio, sem lei e amamos quem não nos ama, quem nos ama nós não amamos, embora, como já dissera o poeta, "viver é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida'.

Pensando surpreender o amor, ter domínio sobre ele, de repente é apenas um pássaro que voou, um sonho perdido, um vazio no chão onde antes havia escadas. E se vai, volta e a ciranda da vida recomeça.

A música - a ópera inteira, aliás - mostra o cuidado que se deve ter com o ente amado. Tanto com quem amamos, como com quem deixamos, embora a dor do deixar só o tempo cure.

Como todo amor vivido intensamente, traído também de uma forma intensa, Carmem não tem um final feliz: Dom Jose a mata, preferindo isso a vê-la com outro.

O que não tem futuro e é um péssimo exemplo. Mas, a música, passados 136 anos, é atual, como o é o amor. Um exemplo que a obra sobrevive ao homem e os males de amores da era moderna não mudaram nada dedsde o tempo de antanho.

sábado, março 19

Onda

"Encostei-me a ti, sabendo bem
que eras somente onda.
Sabendo bem que eras nuvem,
depus a minha vida em ti.

Como sabia bem tudo isso, e
dei-me ao teu destino frágil,
fiquei sem poder chorar
quando caí."
Cecília Meireles.
*******
"Para quem quer se soltar...
invento o mar,
invento em mim o sonhador".
Milton Nascimento & Ronaldo Bastos

domingo, março 6

Vino

Minha alimentação é pão e palavras.
O vinagre aquece o pão,
o sal amarga as palavras.
Quem me dera para produzir palavras
a embriaguez do vinho
o mel das flores.
Esqueceria os sentimentos
viveria somente pelo hoje.

domingo, fevereiro 13

Certas coisas



Há muito tempo 365 dias passados
fechou a porta de sábado e saiu
não antes de dizer te amo.
O tempo se refez.
Há tempos que marcaram 366 dias passados
lágrimas pelo fim em domingo
medo, insegurança, contrapontos.
O tempo se derretia pelas bordas da vida.
Há muito tempo 369 dias passados
abriu a porta e entrou
quarta-feira amor transmudada palavra.
O tempo se desfez.
Desde então passageiro de qualquer trem
descarrilado meio sem rumo
trilhos que precisam ir a qualquer estação
não antes de falar desilusão.
O tempo se congela e aquece na palma da minha mão.

sábado, janeiro 29

Música


Concentramo-nos tanto no trabalho que muitas vezes não sabemos apreciar o belo. O som da música que ameniza o cansaço, que compartilha. Um ouvindo, outro cantarolando baixinho, comentando uma época, lembrando um amor, uma vida.
Gostos são diferentes e é na diferença que crescemos. Nem sempre é fácil, mas hoje e sempre necessário se quisermos nos livrar da solidão.
Na guerra travada todos os dias qualquer coisa irrita, esmaga o peso sobre os ombros, arrebentando todas as cordas em que se transformaram os nervos. A custo seguramos o grito, a mão, o pontapé - se não físico, o verbal se dispara e alcança o alvo. Aberto ao ir, a volta nos alcança ainda em meio ao grito.
Esquecemos o essencial. Esquecemo-nos de nós mesmos e da compreensão para alcançar o outro tão igual a nós e ao mesmo tempo tão diferente. Esquecemos que o arco-íris é belo pelos seus matizes de cores, não pela igualdade. Desrespeitamos o outro, o gosto, a vida se tornando amarga por se fazer sozinha. Nessa ausência, castigamos a nós mesmos, somos deuses em estátuas de barro.
A música produz um momento mágico entre as pessoas. Através dela há comunhão, empatia. As dores podem ser divididas e suportadas; a beleza e a harmonia podem ser apreciadas em suas verdadeiras essências.
Ouço música para alimentar a alma, da mesma forma que leio para afugentar a dor. E tento. Tento aprender na indiferença, nas diferenças com uma única certeza: somos tão diferentes que nos tornamos iguais.

sábado, janeiro 22

Cinzas

A vida é uma quarta-feira
de cinzas.
Primeiro de abril sem dezenove
agosto sem setembro
sem quatro de julho
ainda menos de outubro.
Dezembro natal não se fez
ano novo pra que ano?
A vida se faz por um fio
paralelepípedo nas avenidas
árvores sem ramos, taquicardia
léxico sem sentido, mergulho na escuridão.
Livros, livros, saxofone
salas escuras de tela plana
folhas de papéis, carimbos
marcas de solidão.
Sem ter para onde fugir
a rota se traça por dentro
sem medo do encontro fatal
ruas densas, curvas sem retorno
inverso afastamento.

sexta-feira, janeiro 14

Citação

"Somos todos viajantes perdidos
com passagens adquiridas a um preço ignorado,
mas certamente muito além de nossas posses.
Este estranho itinerário de cenas -
enigmáticas, inusitadas, irreais - nos enche
de insegurança sobre o que devemos sentir.
Não há viagem após a morte mais
repleta de mistérios
do que a própria vida."
********

Lantejoulas trêmulas do destino
flutuam etéreas
à minha volta - mas logo sinto
seu abraço rígido como aço."
(Citado por Dean Koontz em "Os Caminhos Escuros do Coração")

domingo, janeiro 9

Sólo tengo

Yo sólo queria tener
um poco más de mí
olvidar la razón de mi dolor
tener una esperanza más para los pies.
Sólo quería estar
una fe para vivir el más
por lo menos una lágrima a caer
encogió el corazón a olvidar.
Yo quería aprender a vivir
todas las noches sin mí
y cada día sin llorar.
Sólo tengo un alma para sobrevivir
las manos extendidas para llegar.