sexta-feira, julho 29

Vidraça

Tenho olhos de cristais
lamparinas ambulantes pelo teu corpo
onde repouso mãos cansadas
ávidas de paz.
Tenho lábios de metais
aços forjados em tua sede
na qual umedeço meus dias
repletos de cais.
Tenho costas de perfumes
frascos embebidos em gotas
onde fragmento minhas noites
acalentadas de ais.

domingo, julho 24

First love

Matheus é apaixonado por Maria. Arriado os quatro pneus e tudo o mais que se pensa de uma paixão. Maria sabe, mas finge que não percebe, ela não pode fazê-lo acreditar que ele é único, especial. É atenciosa com Matheus, puxa conversa daqui, dali e Matheus vai se revelando. Cada dia inventa assunto para se exibir diante da musa. Pra ele a vida é injusta, é o que costuma dizer. Como pode Maria não querer somente a ele? Ele fica desolado com a situação.
A paixão de Matheus é tanta que a raiva lhe sobe à cabeça quando Maria dá atenção a outros – seja quem for. Chora, esperneia, pergunta se Maria o ama. No período em que Maria ficou de férias, ele não se conformava que iria ficar duas semanas sem vê-la. Não era justo! O jeito era se virar com os jogos do seu time, torcendo para que ele não perdesse e fosse rebaixado de divisão.
Matheus sabe que Maria tem namorado, mas não o conhece. Até já perguntou se os dois moram juntos e ao receber um não como resposta, disse que não entendia, porque namorado mora com namorada. Pra ele, não tem essa coisa de duas casas. Como não conhece o namorado de Maria, Matheus não sente ciúmes dele. Tem ciúme daqueles que passam a manhã inteira ao lado de Maria, pedindo sua atenção. Anda pensando em pedir autoridade a Maria para dispensar esses que a querem também.
Vez por outra o sossego de Matheus é ameaçado com a idéia de que depois de dezembro ele e Maria não vão se encontrar todos os dias. Maria já disse, vez por outra fala no assunto, diz que não vai dá, prepara o terreno. Matheus, calado, pensativo. Maria pensa que ele não vai dá um jeito de vê-la. Ela que pense, ele sabe que vai.
Antes que aconteça a partida, Matheus não dá trégua. Quer beijinhos e chamegos de Maria, mexe com os cabelos dela, já tentou até chegar perto do peito e dá um mísero cheiro, mas foi segura e delicadamente afastado. Não pode, Matheus!
Ele não vê nada de mais nesse carinho. Adora Maria, sim, e daí? Se pudesse morava com ela. Embora Maria goste muito de Matheus, e fique encantada com seus carinhos e amor tão declarados, precisa cuidar para que esse bem querer de Matheus não se quebre. Afinal, ele é seu aluno de cinco anos.

quinta-feira, julho 21

Licença

"Eu quero uma licença de dormir,
perdão pra descansar horas a fio,
sem ao menos sonhar
a leve palha de um pequeno sonho.
Quero o que antes da vida
foi o sono profundo das espécies,
a graça de um estado.
Semente.
Muito mais que raízes." - Adélia Prado.

sábado, julho 2

Lâmina de ViveR


O pessoal de publicidade é muito criativo ou muito louco - ou ambos. É inegável, no entanto, a visão que se tem sobre a tirania dos baixinhos: crianças à mercê dos pais, querendo que suas vontades prevalençam sobre tudo - o mais grave, sobre todos.
O comercial - desconsiderem o título, pois não é o melhor comercial do ano de 2010 - para vender a velha gilette, usa a supremacia da criança sobre o adulto, embora a visão seja muito hollywodiana. Mesmo assim, não se pode deixar de observar que há uma certa apologia à violência para que através dela se consiga o amor da mãe. O complexo de Édipo aí é tão explícito que se chega a sentir pena do pobre pai.
Pobres pais, pobres crianças!
Pobres de todos nós que vivemos em uma sociedade que para vender lâmina de barbear apela para um mundo no qual a pele dos bebês era tão suave, que a mãe esquecia o marido e este, raivoso, ciumento, descobre a lâmina de barbear que deixará sua pele tão suave quanto a do filho que a esposa acaricia. Aí, é macho contra "macho" em luta pela fêmea. Achando pouco, o comercial diz que babies e homens, pai/filho poderão lutar com armas iguais, que o homem terá sua vingança, tendo a esposas de volta.
O baby aí, esquecido, abandonado pela mãe, vai à luta - e que luta. Para ter a fêmea só lutando. Luta por beijos, finaliza o comercial. Um final suave, mas o estrago já fora feito.
Não acho que televisão cria comportamento, ela amplia. O vídeo é exemplo de um comportamento que prolifera por aí. Pais e filhos precisam ter atenção desdobrada ao tipo de relacionamento que estão mantendo. Se criando laços afetivos de verdade ou rivalidades mal disfarçadas.