sábado, maio 19

FiLHa da MÃE



Ainda estamos no mês de maio, mês das noivas, das mães, de Maria. Bem que pode ser o mês das mulheres. Predominante é o Dia das Mães. Tem um dia especial para as mães, embora todas sejam mães - as verdadeiras - em tempo integral pela vida afora. Podemos ser grandes, velhos quanto quisermos, mas a mãe, ainda de cabelos brancos, idosa, senil será sempre mãe.
Nunca ouvi falar de Dia de Filha. Será que existe? Acho que não. Também, quase ninguém fala das dificuldades de ser filha. Falo filha porque não vou generalizar para filhos, todas as crias de uma mãe. Tô falando mesmo é de ser filha, mulher.
Desde a formação bíblica do mundo que a ideia de mãe é a da figura inigualável, inatingível. Tanto que é o destino de toda mulher que se preza socialmente, ai das que não cumprem esse "doce calvário"!
Das dificuldades de ser mãe não é raro se falar: do cuidar quando pequeno, das preocupações com os adolescentes rebeldes, das noites mal dormidas esperando o rebento chegar das festas, da casa da namorada, das preocupações para que a filha não engravide, que não se envolvam com drogas, que todos estudem, trabalhem e cresçam fortes, sadios, bons e façam um bom casamento. Pronto, ponto.
Sou filha. E quando falo que é difícil ser filha, todos me olham com desconfiança, riem amarelado, achando que estou tirando onda - ou mais grave: renegando minha mãe! Tô não. É difícil pra burro ser filha! Quem é sabe. Tendo só irmãos homens, sendo filha única, a do meio, a mais velha, a caçula. Não importa a colocação, a condição é uma só: filha.
Filha escutava há gerações passadas que cuidaria da mãe; se houvesse mais de uma, casariam na ordem da mais velha para a mais nova, e esta poderia não casar para cuidar da mãe. Será que isso ainda existe? Filho não escuta isso! Filha escuta mais conselhos, recebe mais vigilância, demora para ser acreditada no que diz.
Minha mãe é um senhora idosa com mais de oito décadas de vida. A idade não lhe tirou algumas caracterísitcas, entre elas a teimosia, que na verdade é uma independência que ela hoje não tem mais condição de manter, mas insiste em ter, ainda que seja em pequenas coisas. Por exemplo: quer lavar a própria roupa, cozinhar, varrer casa, ter a palavra final, principalmente se é surpreendida em algum erro.
Tem uma enorme dificuldade em aceitar a inversão de papeis, que hoje eu sou mais mãe dela que ela de mim, e que posso mandar nela. Isso nem pensar! Para mandar, preciso fazer arrodeios, conversar com a maior calma do mundo - que no meu caso fica meio confuso porque me preocupo quando sei que ela não toma o remédio, quando a vejo tentando apanhar graveto no quintal, à beira do fogão, ou sair porta a fora sem avisar, deixando-me apreensiva. Se falo, quando falo, a resposta invariavelmente é uma só: "tá pensando que tô doida que não sei mais o que estou fazendo? quando tiver "velha" sem poder fazer nada, aí você manda em mim!"
Assim, sei que é difícil ser filha, mas também descubro o quanto é difícil ser mãe, porque quando ela me preocupa, nem sempre compreendo que mesmo limitada, ela está lúcida e quer o espaço dela (tanto que quando dou orientações à empregada, ela diz que mando na minha casa, não na dela!). Igualzinho como ela fazia comigo quando eu a preocupava, brigava, brigava, não dava tempo nem de eu responder, porque, hoje sei, ela queria extravasar a preocupação, o medo sentido.
Mãe não quer que aconteça nada de mal aos filhos porque tem medo de não saber agir, tem medo de se sentir culpada, medo de falhar como mãe. Filha também.
Na verdade, entre as dificuldades de ser filha e de ser mãe, existe a dificuldade de viver, lidar com as dificuldade por que passam todas as mulheres.
Contudo, a minha mãe é o maior barato. Só ela não esquece nada do que aconteceu há setenta, quarenta, dez anos atrás e não lembra cinco minutos depois que briguei com ela porque ela estava com o fogão aceso, tirando uma chaleira de água fervente para fazer café. Segundo ela, isso passa correndo pela memória. Amém!

quarta-feira, maio 16

SiLÊncio




Será que aprendemos no silêncio - em silêncio? O que mais nos ensina: o falar ou o calar?
Muitas vezes calamos, quando a vontade é gritar; às vezes gritamos, quando deveríamos calar. Há também o resmungar, aquele som baixinho que fingimos ser para nós mesmos, mas é sempre direcionado a outrem.
Somos atávicos pelo falar, visto que nosso primeiro contacto com o mundo foi através de sons. Som do tapa na bunda para vir à vida, esgoelar-se de chorar, exatamente o segundo som ouvido.
Depois que aprendemos a falar, o poder da linguagem, desembestamos a falar e falamos sobre tudo. Sobre o que não conhecemos, sobre o que queremos saber, aquilo que sabemos e até mesmo julgamos saber. Falamos, falamos,...
A linguagem nos faz. Somos feitos de sons, vivemos arrodeados de sons em diferentes tons, diferentes volumes.
Ficar em silêncio é sempre um suplício. Para alguns isso é semelhante ao exílio do ser, deixa-se de existir.
Enquanto sadios, deveríamos ter o comedimento necessário para equilibrar o falar e o calar. Depois, passado o tempo, querendo falar, sejamos podados pelo silêncio intransponível.
E aí não terá mais som que resulte em sorriso.