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Mostrando postagens de fevereiro, 2007

Fiat lux

Precisamente na noite de quarta-feira de cinzas faltou energia aqui no bairro. Se minha avó materna fosse viva diria que era castigo de Deus pelos excessos carnavalescos! (Será que foi?) Sem computador, sem ler, sem tv, fiquei pensando como seria o mundo sem a eletricidade. Sem eletricidade o que estou fazendo agora seria impossível. A fruta que rapidamente transformo em suco no liqüidificador e ponho para gelar na geladeira não seria possível. A música que ouço no cd player e mesmo no interior do carro não seria executada. Leria, dormiria a luz de vela. Nos dias frios, meu chuveiro não me daria nem uma nesga de água deliciosamente morna. O porteiro eletrônico do prédio não funcionaria (o que no meu caso não faria muita diferença, pois o existente aqui fica muito tempo quebrado!). Engomar seria uma das tarefas mais árduas de qualquer mulher (a maioria dos homens ainda continua sem ter esse "prazer"). As agonias das novelas não seriam sentidas por milhares de mortais por esse ...

Ressaca sem carnaval

Sem tempo, sem inspiração, sem saco para escrever sobre as ruas vazias no carnaval, sobre o céu nublado que vejo da janela, sobre a cerveja da qual bebi só um copo, do filme recomendado que verei hoje à tarde, do trabalho que trouxe para fazer e não fiz, das minhas tristezas antecipadas por uma ausência que ainda não é, pratico o não escrever. Por isso tudo, é melhor pensar em nada. É melhor lembrar com saudade de um tempo quando as frases de O Pequeno Príncipe tinham significado. Hoje, diante de tanta violência, de tanto consumismo, de tantos ups, palavras e atitudes deletáveis, o Exupéry não teria cacife para competir com o mundo virtual (do qual me sirvo), talvez nem mesmo com o Paulo Coelho & Cia. Uma pena, pois o essencial ainda continua invisível aos olhos!

Sonho de verão

Algo a despertara. Ao virar à esquerda vê no relógio luminoso da cabeceira que são cinco e trinta e nove da manhã. Retorna à posição inicial, pois não sabe dormir sobre o lado esquerdo. Sente uma leve dor nos ombros. Tenta dormir. O calor umedece os longos cabelos. Pela janela aberta uma suave brisa marinha sacode levemente as cortinas. Joga o lençol para um lado, a inquietação começando a dominá-la. Cobre a cabeça, querendo uma escuridão sem a tímida luz do sol que se insinua pelos vitrais da janela. Pensa que precisa acordar às sete horas, devido à reunião com todos os coordenadores. A preocupação em voltar a dormir faz com que ela não durma. E outra vez percebe que a dor no ombro não cessa; pelo contrário, parece agora que toma toda a musculatura da omoplata. Vira e revira na cama, agora sem lençol nenhum a cobri-la. Na reunião serão discutidos os novos valores das comissões, que preços serão cobrados dos associados e, principalmente, quem irá assumir a direção da filial recém-criad...

Vida perdida viagem

Não choveu. Não houve colheita. A seca chegara. Até onde a vista alcançava era só árvores secas, chão seco, o rio minguado onde nem os animais encontravam alívio. O sol a tudo queimara, secara as lágrimas de quem plantara, umedecera as mãos de quem não colhera. O sertanejo de mãos vazias olhava a amplidão. Seca. Seca. A palavra ecoava como tambores. E agora? Eu só sei trabaiá a terra. E a chuva, meu Deus, e a chuva? Ele plantara com fé milho, feijão, batata, algodão. Eu fazia fé nessa colheita de argodão. Ia cumprá uns trecos que andamo necessitado. E agora? A comida existente agüenta só uns dois meses, depois o que ele irá fazer? Não tem dinheiro, não tem crédito. Pedir ajuda aos vizinhos? Mas, cumo, se eles tão na merma, num tem mais do que nós. Talvez seja mió arribá, ir pra Sum Paulo, trabaiá lá. Fazer o quê? - O senhor sabe ler e escrever? - Num senhor. - Mas, é operário especializado? - Cuma? - O senhor tem curso de mecânico, eletricista, encanador, torneiro mecânico? - Num senh...

Intenção casual

Pode ser assim meio assado mal passado um simples acaso ocaso incêndio ocasional água enchente percalço acidente via sem acesso acesso de loucura. Pode ser meio assim sem jeito disfarçado de lado campo minado meia circunferência linha meridiana tangente diagonal descalço terra quente fogo feito cinza verão outonal. E assim pode ser meio assim volta e meia volto já. (Quadro: O Beijo - Gustave Klimt - (1867-1918), pintor modernista, vienense).

Angústia de água

Há um rio. Sempre n'algum lugar há um rio. Águas que rolam e que se procuram à procura de outras águas. Caminho do mar. O destino da água é buscar sempre companhia. Água só não faz inverno. Hoje a ela a vida se assemelha muito mais a água do que a outra coisa qualquer. No passado eram filamentos líquidos em sonhos de encontrar o mar, tornar-se ondas revoltas no vai e vem infindo à areia, ao mar. Os sonhos povoavam a mente em forma de oceanos nunca dantes navegados na expectativa de um navio para lançar velas e navegar ao encontro de um horizonte. A água seria a libertação, o enfrentamento do medo - não sabia nadar - o porto seguro onde libertaria e de imediato enterraria os temores, pois deles não mais precisaria. Um dia na contemplação do mar, sentiu o horizonte bem perto e ousou alcançá-lo, atravessando areia, água, quebra-mar. O horizonte recebeu aquele ser feito de sonho e - no desprezo do medo - ensinou-o a navegar. Os dias foram de sol em plena água. Foram de chuva, crescent...