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Mostrando postagens de dezembro, 2007

À sombra

Sempre diante de algo que não compreendo, penso em algum quadro de Salvador Dali. É o incompreensível belo, aquela coisa que se olha, olha na tentativa de entender. E não se entende. É bonito de se ver, sente-se que ali se desenha algo a ser entendido, mas a compreensão está muito além. É como algumas coisas da e na vida. Está bem ali, frente aos meus olhos, e olho, olho, dou voltas tal peru e não compreendo. Não que não compreenda totalmente; o que compreendo é ferro, é amargo. Melhor seria não compreender. Na semana uma amiga me manda um bilhete e nele me avisa que é na sombra que melhor se produz. Ela poderia estar se referindo a uma produção composta de palavras ordenadas em laudas e laudas, embora desconfie que não, pois ela é dada a umas reflexões acertivas nas entrelinhas daquilo que escreve. No primeiro caso, ela errou. Há semanas uma estória ronda a minha cabeça e não consigo terminar. A idéia original tomou tantos rumos que parei e espero um insight. Tomou tantos rumos porqu...

Rendição

Mal percebe as pessoas a sua volta. A alta umidade acentua a sensação claustrofóbica da sala abarrotada de flores. Olha em torno e vê tudo através de densa névoa. A sensação de flutuação permanece como se estivesse prestes a cair. De repente, lembra-se: há oito horas que não ingere nada sólido, um açude de dor alimentando sua vida sedenta, insalubre e insípida. Uma mosca bate-lhe no rosto e num aceno rápido tenta alcançar-lhe, afastando-a. Inútil. A mão não obedece ao seu comando, dormentemente assentada sobre o peito. Tentando movimentar o braço, de repente as lembranças lhe jogam a um passado que pensara esquecido. A sopa esfria sem fome depois que a mosca sentara na beira do prato insinuando-se sem pudor. Toma o café, escolhendo o pão mais queimado da cesta sobre a mesa. Todos à mesa calados, exceto o pai. Os irmãos não ousam nada dizer, a mãe ocupa-se em dar colheradas à irmã menor que mal alcança a altura da mesa. O pai seguindo a rotina de todos os dias espalha no ar seus gritos,...