Sempre diante de algo que não compreendo, penso em algum quadro de Salvador Dali. É o incompreensível belo, aquela coisa que se olha, olha na tentativa de entender. E não se entende. É bonito de se ver, sente-se que ali se desenha algo a ser entendido, mas a compreensão está muito além. É como algumas coisas da e na vida. Está bem ali, frente aos meus olhos, e olho, olho, dou voltas tal peru e não compreendo. Não que não compreenda totalmente; o que compreendo é ferro, é amargo. Melhor seria não compreender. Na semana uma amiga me manda um bilhete e nele me avisa que é na sombra que melhor se produz. Ela poderia estar se referindo a uma produção composta de palavras ordenadas em laudas e laudas, embora desconfie que não, pois ela é dada a umas reflexões acertivas nas entrelinhas daquilo que escreve. No primeiro caso, ela errou. Há semanas uma estória ronda a minha cabeça e não consigo terminar. A idéia original tomou tantos rumos que parei e espero um insight. Tomou tantos rumos porqu...
A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei. Meu fado é o de não saber quase tudo. Sobre o nada eu tenho profundidades. Não tenho conexões com a realidade. Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro. Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas). Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil. Fiquei emocionado. Sou fraco para elogios. MANOEL DE BARROS