Chove. Aqui, como em toda cidade que raramente chove, quando chove, chove sem preparação. Época já de findo verão e anunciação do inverno. Contudo, aqui não sabemos o que é inverno. Mesmo quando chove, faz calor. Da terra vem uma quentura que cola na pele, pegajosa pele. Quem sabe do inverno é o povo do sertão que vê os açudes sangrando, que aproveita a água do céu para plantar o milho e o feijão colhidos nas festas de São João. Chove. De repente as ruas são tomadas por guarda-chuvas, passos apressados que pulam poças de água. Aqui, como em toda cidade que raramente chove, quando chove, o que se vê são ruas enlameadas, barracos encosta abaixo, velhas árvores desabando sobre carros. Somos uma cidade com vocação para o sol, daí negar que um dia choverá. A espera da chuva se faz sem crença. Chove. A tarde se apresenta num lusco-fusco que cintila nas lâmpadas de mercúrio que conferem às ruas um ar fantasmagórico em meio à água que cai. Na calçada, a moça se desvia do banho irresponsável do...
A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei. Meu fado é o de não saber quase tudo. Sobre o nada eu tenho profundidades. Não tenho conexões com a realidade. Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro. Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas). Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil. Fiquei emocionado. Sou fraco para elogios. MANOEL DE BARROS