O primeiro que Rita encontrou foi um par de brincos sob o travesseiro. Duas argolas prateadas. Não se assustou. Certamente Mariana, sua sobrinha de oito anos, tinha deixado os brincos ali na hora de assistir tv, embora não fossem brincos de crianças. Colocou-os na estante para devolver, não sem antes fazer Mariana entender que não apressasse o tempo da infância.
Cinco dias depois, domingo na hora da missa, ao procurar o rosário encontrou na gaveta um sutiã vermelho um número menor que os seus. Do sutiã vinha um perfume de sândalo misturado a cheiro de bebida que uma mancha bem no peito não deixava dúvida. Chateada, porque aquela coisa escarlate deveria ser de Rosana, a irmã destrambelhada que tinha, jogou o sutiã sobre o cabide para entregar depois.
Ao acordar naquela segunda-feira, a cabeça doía-lhe como bebedeira de véspera. Mas nada bebera além das duas taças de vinho, um tanto assim irrisório para provocar tamanho enfado. A dor a água fria do banho aliviou o suficiente para se...
A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei. Meu fado é o de não saber quase tudo. Sobre o nada eu tenho profundidades. Não tenho conexões com a realidade. Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro. Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas). Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil. Fiquei emocionado. Sou fraco para elogios. MANOEL DE BARROS