Ao perceber que o sonho cuidadosamente planejado era só seu; ao sentir no corpo o afastamento da paixão de Pedro; ao contar noites mal dormidas dominadas pela saudade, Alzira soube que nada mais lhe restava daquilo que era a sua vida. A vida que em casas separadas vivia com Pedro há quatro anos. Passara o tempo “de tudo ao meu amor serei atento”. Agora, tempo de brumas, de mãos espalmadas segurando o espanto, espumas de repente, “não mais que de repente”. Bem que não fora assim tão de repente; mas, surda e cega, pensara que aqueles sinais eram apenas isto: sinais, crise passageira. Enganara-se, redondamente se enganara. E o resultado é este que se posta bem aí a sua frente, remediado está. Da caixa escondida no fundo do guarda-roupa retira o que sobrara, papéis amarelados com o amor escrito em mau português, letra miúda, recortes de poemas entre corações desenhados. Até mesmo uma peça íntima vermelha no meio do papel manteiga recorda-lhe os tempos. Num ímpeto, rasga; não, estraçalha a ...
A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei. Meu fado é o de não saber quase tudo. Sobre o nada eu tenho profundidades. Não tenho conexões com a realidade. Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro. Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas). Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil. Fiquei emocionado. Sou fraco para elogios. MANOEL DE BARROS