Uma amiga que demoro a ver e no meu coração mora. Uma moça magrinha que não engorda porque pensa que a vida vai lhe empurrar do trem se ela aumentar um grama, se ela der um passo maior do que suas pernas. Ela é jovem e tem aquela ilusão própria dos jovens de que tudo é para sempre, que ela já viveu tudo que tinha a viver e mais nada. Ela é inteligente, professora competente, mas nisso ela não sabe é de nada. Ela não sabe, por exemplo, que a vida é um moinho, mas a velocidade da roda que faz a água girar depende muito de nós, da nossa vontade, do nosso querer. Ela precisa aprender que de teimoso também se vive. Quando se vive por teimosia, é possível engolir um leão por dia, atravessar o chão pisando em brasas. É claro que se chora, que se sofre. Ninguém é completamente imune às coisas assim tão duras, tão quentes. E daí? Será que não podemos levantar a cabeça e olhar para àquele leão e desafiá-lo? Venha, venha me pegar, você pensa que sou fraca? Sou não, bicho, o que você tá vendo é só...
A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei. Meu fado é o de não saber quase tudo. Sobre o nada eu tenho profundidades. Não tenho conexões com a realidade. Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro. Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas). Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil. Fiquei emocionado. Sou fraco para elogios. MANOEL DE BARROS