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Mostrando postagens de setembro, 2007

Janela adentro

A poltrona colocada frente à janela mostra uma rua sossegada, pouco movimento de carros e gente. Nela, Zuleide observa a rua sem ver. Seus olhos se apertam devido a claridade que vem de fora; ouvidos surdos ao vozerio que vem do interior da casa. Filhos e netos falam animados da festa que há um mês preparam com a ansiedade de casamento. A festa vai comemorar seu aniversário, mas pouco ligam para a aniversariante. Fará 85 anos. Não sabe se fala com Miguel ou se espera ele se aproximar. A vergonha de ser falada inibe sua vontade e fica sentada na praça, um olho lá, meio ouvido aqui. E se ele não se decidir? Esperar agoniada outro domingo, passar outra semana ouvindo em casa o pai elogiar o governo de Getúlio Vargas, fazendo comida, lavando roupa no rio bacia na cabeça? Não, tem que fazer alguma coisa. Tem 15 anos e muita pressa em viver. Não vai ficar pra titia de jeito nenhum. Se Miguel não se mexer, o jeito é ficar falada. As imagens são takes na cabeça de Zuleide. As conversas no po...

LeTRitude

Depois de vários meses, terminei a leitura do livro " A menina que roubava livros " do australiano Markus Zusac . Mesmo gostando da narrativa, não sei por que demorei tanto para concluir sua leitura, atropelando-a com outros livros. A estrutura do livro é soberba, uma aula de teoria literária para os que acreditam em Paulo Coelho como o mago das letras neste século! Não há uma temática nova. Relatos ficcionais ou não sobre a vida nos países em guerras, sejam elas as de agora ou as de antanho, proliferam aos milhares. O que o nazismo causou à população mundial, notadamente à européia, e amargamente aos judeus e às minorias, sempre será um assombro e a personalidade de Hitler já rendeu tratados tanto sócio-políticos como psicanalíticos. O fato de a narradora ser a morte não é assombroso, embora seja inusitado. E aí reside o primeiro mérito do livro: não adianta correr para as inovações tecno-científicas em busca de elixires da imortalidade, um dia ela virá e nos colocará sobre...

ViSÕes

Ao seu redor várias peças, chaves, martelo, alicates, parafusos e fios amarelo, azul, verde. Sobre a mesa, intacto o controle remoto abastecido com duas potentes pilhas ao lado da caixa vazia onde antes existia um televisor. Estendera no chão uma lona vermelha para que nada se espalhasse e se perdesse pela sala. Aproveita que está sozinho para pôr em prática uma idéia que há dias formiga em sua cabeça. Sua única diversão é a televisão, agora que pouco sai de casa. Não importa a qualidade dos programas, o que lhe interessa são as imagens. Não precisa mais do som agora que uma surdez faz ninho em seus ouvidos. Muda de posição, apoiando-se na parede, pega o capacete que pedira ao neto motoqueiro e lembrando-se da antiga profissão de técnico eletrônico monta todos os circuitos e com a pequena luz azulada solda uma peça na outra. Feito, desarma a oficina improvisada, guarda as ferramentas. Senta-se na poltrona, pega o controle remoto, ajusta o capacete na cabeça. Fecha os olhos e aciona o c...