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Mostrando postagens de novembro, 2007

Miserere

Sentado sobre o muro, pernas balançando, observa a rua. Com gesto de cinema, muda a aba do boné para trás. A luz do sol confere ao rosto do garoto uma alegoria de pierrô. Camiseta, da bermuda larga sobressaem as pernas compridas balançantes, nervosas sobre o muro. Espera. O muro não é tão alto. Em pé na calçada, bastou-lhe um impulso para alcançá-lo. Em casa, os irmãos assistem a desenho animado, a mãe prepara o almoço. Seus onze anos parecem pesar-lhe no olhar perdido no fim da rua. Quando pensa na vida, não sabe se pensa na vida. A maturidade não lhe chega a tanto. Olhar fixo na rua lá embaixo muda seu pensar para um prédio em construção, um carro de mão pesado de areia, barro, cimento no movimento de tábua acima, tábua abaixo. Um homem suado, boné do time vermelho e negro, camisa aberta. Antes da escola, levava a marmita ao pai. Pegava ônibus, passava por baixo da roleta e se tinha lugar, sentava-se à janela. A cidade é linda, a avenida correndo perto do mar, aquele vento no rosto....

De escritos e fogueiras

Não tenho lembrança de quando comecei a escrever, mas foi aí por volta dos 12 anos. Era um caderno tipo brochura, capa verde, pequeno e eu escrevia só de um lado da folha. Achava ruim escrever no verso. Usava caneta e achava o máximo, escrevendo com cuidado redobrado para não precisar apagar. Minha letra não era semelhante com a que tenho hoje; eu treinava arduamente para imitar a letra de uma professora da quarta série que tinha uma letra desenhada, não era feita à mão de tão perfeita. Claro que não conseguia fazer igual. Anos depois mudar a letra foi o primeiro sinal de identidade consciente: comecei a colocar letras maiúsculas no meio da palavra, coisa que faço até hoje e dando aula era a primeira lição aos meus alunos: não escrevam como eu; esta letra colocada aqui é um erro! Inútil! Nem eu deixei de escrever assim, tampouco livrei alguns de pegarem a mania da professora! Eu escrevia de tudo. Passou na cabeça, pousou no papel. Não deixava ninguém ler, embora desconfiasse que minha...