O cão está parado no meio fio. Todas as vezes que avança, recua, pois sente a vibração de um carro vindo. Olha para um lado e outro, mas não se atreve. A saliva denuncia seu cansaço e ansiedade. Sentado na parada de ônibus o homem observa os movimentos do cão. Espera a hora do atropelamento e nada faz. A marca na perna lhe dá todos os motivos para não gostar de cachorro. Raça desgraçada! Por ele, todos os cães viravam sabão. O negro do pêlo reluz ao sol. O focinho pouco saliente, orelhas curtas apontadas para cima, uma grande mancha branca sobressaindo-se na pata direita não indicam a raça do cão. Pelo ir e vir na calçada, incerto sobre a hora de atravessar, denuncia-se sua pouca experiência de rua. Não está gordo, mas não tem uma ossatura que indique fome de cão. Se tem dono, ninguém por perto lhe pertence. Uma acentuada calvície brilha ao sol no calor da manhã. Retira um lenço do bolso da camisa e enxuga o suor da testa. As pernas magras à mostra pela bermuda indicam uma idade mais d...
A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei. Meu fado é o de não saber quase tudo. Sobre o nada eu tenho profundidades. Não tenho conexões com a realidade. Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro. Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas). Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil. Fiquei emocionado. Sou fraco para elogios. MANOEL DE BARROS