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Mostrando postagens de 2012

A rua que foi minha

  Madrugada. Um carro aberto, acompanhado por uma longa comitiva, passa veloz, frustrando os aluísistas que esperaram horas e horas pela passagem daquele carro. Cansados da espera, recolheram-se as suas camas, embora completamente vestidos, pois na hora que os foguetões anunciassem a passagem do carro, era só levantar e correr à rua. O que se pôde ver foram os cabelos ao vento do senador americano Robert Kennedy, em pé ao lado de Aluízio Alves. Os moradores da São Geraldo, nas Quintas, devem a essa veloz passagem, o calçamento em paralelepípedo da rua, onde antes só havia poeira e lama. As noites na São Geraldo não eram só de episódios políticos. Havia o bandido Baracho trocando tiros com a polícia (em uma dessas vezes, uma bala se alojou em uma bica de alumínio acima da janela da casa da minha avó); havia os assustados ao som de Renato e Seus Blue Caps e a mini-saia escandalosa de minha vizinha, cabelos louros de Wanderléia; o rebuliço das noites de sábado com cheiro...

Bugol

  Nos idos dos anos 60, os Estados Unidos implementaram um programa de assistência aos países do terceiro mundo denominado de Aliança para o Progresso. Através dele, a população carente recebia alimentos para suprir as necessidades nutricionais, além de recursos financeiros para o desenvolvimento do estado, como casas populares, escolas. Dessa leva, em Natal se construíram o conjunto habitacional Cidade da Esperança e o Instituto de Educação Pte Kennedy, enquanto o navio Hope, ancorado no Porto na Ribeira, distribuía leite em pó e realizava tratamentos médicos e cirurgias que até então eram inacessíveis aos potiguares. O símbolo do programa era um aperto de mãos entre indivíduos, simbolicamente estadunidenses e latinos americanos. Os americanos não estavam preocupados altruisticamente em salvar populações da fome. Estavam muito mais interessados em fazer com que o comunismo não aportasse e conquistasse terrenos por essas bandas. Era o tempo da guerra fria, o mundo polari...

Mata o papai

Dia desses, precisamente em 07 de setembro, sem ânimo e patriotismo para ver Parada Militar, fui com amigos comer ginga com tapioca na Redinha. E constatei o quanto praia é território livre e democrático. Avessa à água, pra mim só a de chuveiro!, enquanto saboreava o par tapioca-ginga, observava o vai e vem da pequena multidão. Uma variedade de tons e sons me fazia pensar o quanto somos elitistas, o quanto o povo se contenta com pouco - ou pelo menos se diverte com pouco! Talvez não seja o caso de usar o verbo contentar-se, porque minha parca psicologia não inferia se havia contentamento de verdade, aquele contentamento que transborda e deixa uma sensação de felicidade quando tudo se acalma e o divertimento se vai - havia, sim, um contentamento instantâneo, inegável pelas risadas, cervejas, requebros. E por que somos elitistas? Professor tem a mania de não se considerar povo. Povo é aquela pessoa que não é letrada - não que seja analfabeta, mas não alcançou o letramento conceitu...

FiLHa da MÃE

Ainda estamos no mês de maio, mês das noivas, das mães, de Maria. Bem que pode ser o mês das mulheres. Predominante é o Dia das Mães. Tem um dia especial para as mães, embora todas sejam mães - as verdadeiras - em tempo integral pela vida afora. Podemos ser grandes, velhos quanto quisermos, mas a mãe, ainda de cabelos brancos, idosa, senil será sempre mãe. Nunca ouvi falar de Dia de Filha. Será que existe? Acho que não. Também, quase ninguém fala das dificuldades de ser filha. Falo filha porque não vou generalizar para filhos, todas as crias de uma mãe. Tô falando mesmo é de ser filha, mulher. Desde a formação bíblica do mundo que a ideia de mãe é a da figura inigualável, inatingível. Tanto que é o destino de toda mulher que se preza socialmente, ai das que não cumprem esse "doce calvário"! Das dificuldades de ser mãe não é raro se falar: do cuidar quando pequeno, das preocupações com os adolescentes rebeldes, das noites mal dormidas esperando o rebento chegar...

SiLÊncio

Será que aprendemos no silêncio - em silêncio? O que mais nos ensina: o falar ou o calar? Muitas vezes calamos, quando a vontade é gritar; às vezes gritamos, quando deveríamos calar. Há também o resmungar, aquele som baixinho que fingimos ser para nós mesmos, mas é sempre direcionado a outrem. Somos atávicos pelo falar, visto que nosso primeiro contacto com o mundo foi através de sons. Som do tapa na bunda para vir à vida, esgoelar-se de chorar, exatamente o segundo som ouvido. Depois que aprendemos a falar, o poder da linguagem, desembestamos a falar e falamos sobre tudo. Sobre o que não conhecemos, sobre o que queremos saber, aquilo que sabemos e até mesmo julgamos saber. Falamos, falamos,... A linguagem nos faz. Somos feitos de sons, vivemos arrodeados de sons em diferentes tons, diferentes volumes. Ficar em silêncio é sempre um suplício. Para alguns isso é semelhante ao exílio do ser, deixa-se de existir. Enquanto sadios, deveríamos ter o comedimento necessário...

La esperanza

No meu ombro pousou uma esperança. Não a metáforica, que tantas vezes se revela ilusória. Mas, a real, o inseto verde e saltitante, raro nas paragens urbanas. Em que pese a semelhança com o início do texto Uma esperança , belamente escrito por Clarice Lispector, é verdade. Em mim, ao acordar na manhã de primeiro de janeiro, no espaço exíguo entre banheiro e quarto, pousou uma esperança, inseto também conhecido como louva-a-Deus. Não sei de onde a esperança surgiu, embora se estivesse na minha casa seria ainda muito mais espantoso, pois esperança é raro se vê em lugar tão urbano. Entretanto, no interior é normal, embora no quarto a janela existente estivesse fechada, como passara a noite toda e dificilmente teria passado tão despercebida pela cozinha e sala para chegar ao quarto. Não importa de onde veio. Pousou no ombro e como não sou dada a sustos repentinos, lá ficou um tempo até pular para a cama, desta para o chão onde não mais encontrei. Se possuidora de mimetismo, deve ter se co...