Madrugada. Um carro aberto, acompanhado por uma longa comitiva, passa veloz, frustrando os aluísistas que esperaram horas e horas pela passagem daquele carro. Cansados da espera, recolheram-se as suas camas, embora completamente vestidos, pois na hora que os foguetões anunciassem a passagem do carro, era só levantar e correr à rua. O que se pôde ver foram os cabelos ao vento do senador americano Robert Kennedy, em pé ao lado de Aluízio Alves. Os moradores da São Geraldo, nas Quintas, devem a essa veloz passagem, o calçamento em paralelepípedo da rua, onde antes só havia poeira e lama. As noites na São Geraldo não eram só de episódios políticos. Havia o bandido Baracho trocando tiros com a polícia (em uma dessas vezes, uma bala se alojou em uma bica de alumínio acima da janela da casa da minha avó); havia os assustados ao som de Renato e Seus Blue Caps e a mini-saia escandalosa de minha vizinha, cabelos louros de Wanderléia; o rebuliço das noites de sábado com cheiro...
A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei. Meu fado é o de não saber quase tudo. Sobre o nada eu tenho profundidades. Não tenho conexões com a realidade. Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro. Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas). Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil. Fiquei emocionado. Sou fraco para elogios. MANOEL DE BARROS