
O sonho de Macabéia acaba abruptamente sob as rodas de um carro, justo quando ela saía da casa de uma cartomante que lhe predissera um futuro brilhante. Não lembro detalhes do livro, não o tenho aqui, mas em linhas gerais a narrativa se concentra em uma moça simples com uma vida monótona, que ouve rádio à noite depois de um dia repetitivo de tarefas em um escritório.
Todos nós conhecemos alguma Macabéia, aquela pessoa que sai do interior, mas não consegue tirar o interior de dentro de si. O desafio da cidade grande não é suficiente para lhe encorajar a vencer limites, buscando um autoconhecimento. Pelo contrário, tudo lhe amedronta, parece-lhe estranho. A duras penas encontra um trabalho limitado, que lhe dá apenas o suficiente para não morrer de fome. Aprende aquela determinada tarefa, não toma iniciativa no trabalho, mas sabe seguir orientações à risca. Nos finais de semana, mal sai, no máximo uma praia depois de uma certa resistência inicial, que água salgada é ruim de engolir.
As oportunidades vêm e não são percebidas. O medo do novo paralisa a vida. Se a vida parece triste, parada, não se reclama; melhor isso, que nada. Geralmente, há duas vidas: a vivida e a sonhada, esta muito mais colorida e atraente que a real, embora proibida porque parece imprópria aos olhos de Deus. A fé em um Deus onipresente não permiti voos, tudo é visto sob o olho do castigo eterno. Felicidade não é coisa fácil, é um bem que não se alcança, não através de prazeres, coisas mundanas.
O casamento está quase sempre no final de um arco-íris. Não casar é atestar uma incapacidade contrária à mulher, destino natural de quem foi abençoada. A mulher infértil é tal qual uma árvore ressequida, nem mesmo tem sombra. Conviver com isso é muito mais difícil que viver um mau casamento. E algumas casam mal, vivem mal até que a morte os separe.
Sempre o mais difícil é tirar o argueiro do próprio olho. No mundo moderno, onde não há espaço para a ociosidade, o trabalho ocupa tanto tempo da nossa vida, acostumamo-nos a tirar o sustento literalmente do suor do próprio rosto, que nos é difícil entender as que fazem opção por um emprego sem expectativa de crescimento, quem enterra a cabeça no chão tal avestruz, quem conduz a fé para esperar que tudo caia do céu sem a necessidade de mover-se.
Não sei se herança do feminismo ou se conseqüência de prover a mim mesma, a vida de quem está parada me parece um desrespeito à própria vida. Independente de crenças religiosas – se não lembramos as passadas nem antevemos a futura – há uma vida por vez e esta é pra ser vivida. Os limites na maioria das vezes são impostos por nós mesmos, somos nós que nos deixamos dominar pelo medo. E há muitos medos hoje. Eu, particularmente, tenho vários. Entretanto, negá-los, não enfrentá-los não criam a mágica de fazê-los desaparecer. Às vezes faz até o monstro agigantar-se.
Não é fácil, é necessário levantar-se a cada manhã com espírito de lutador, porque há vários leões na selva que precisam ser no mínimo afugentados. Apesar de não concordar com o modo de vida de alguns – algumas (também alguns – muitos – não concordam com o meu!), aprendi a não dar conselhos, muito menos pavonear-me com elogios daquelas que paradas contemplam a minha rua, mas não ousam atravessar para o lado de cá.
O livre arbítrio – invenção do homem atribuída a Deus – é magnífico nesse sentido. Cada um que viva da forma que melhor lhe convier, desde que não cometa roubo, assassinato, calúnias. Se acho a vida de alguém uma vida macabéia, possivelmente esse alguém acha que a minha é uma vida Capitu (e aqui deixo a interpretação para vocês!).
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