Tenho medo dos que se afirmam muito religiosos. Daqueles quase santos que esperam apenas a ascensão direta aos céus, tal qual Cristo. Tenho medo dos que citam a Bíblia a torto e a direito. Nunca estão errados, os erros são creditados na conta de Deus e eles, somente eles, têm o privilégio de verem suas orações serem atendidas por que possuidores e distribuidores do bem. Tenho medo dos que guardam Deus na prateleira. E retiram-no a pretexto de tudo, inclusive para evocar os poderes na execução de suas pequenas vinganças pessoais. Deus está a posto para servi-los, como se empregado fosse, ou se a eles tenha sido atribuído o privilégio de serem guardiões do trabalho divino, Deus fosse um gênio fugido da garrafa disposto a satisfazer muito mais que três desejos. Tenho medo dos que retiram Deus da carteira e distribuem caridade à paga de remissão dos próprios pecados, garantindo entrada no reino celestial mediante quitação de carnê. E que fazem questão de que a mão esquerda divulgue o que a...
A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei. Meu fado é o de não saber quase tudo. Sobre o nada eu tenho profundidades. Não tenho conexões com a realidade. Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro. Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas). Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil. Fiquei emocionado. Sou fraco para elogios. MANOEL DE BARROS