Ainda quando estudava o antigo ginasial, uma professora de Português, interessada em que os alunos gostassem de ler e apreciassem os clássicos, passou como tarefa de avaliação uma redação sobre o texto AMOR MENINO parte II do Sermão do Mandato – mas isso só soube muito depois já na faculdade - do Pe. Antonio Vieira.
Agora, imaginem a dificuldade de adolescentes nos idos final dos anos 60 em cumprir essa tarefa. O que sabíamos do amor? Nada. Do tempo muito menos. O amor era em preto e branco nas fotonovelas que eu comprava no sebo na banca da feira livre, hábito também o das minhas amigas com quem trocava livros e revistas, caso contrário não leríamos nada. Apesar dessas imagens de amor, não lembro se as conversas já rondavam assuntos de namoro, casamento. Acho que não, pois éramos àquela época imaturas para tais assuntos. O universo ainda girava em volta de livros, estudar para provas, sorvetes, ouvir música e meninos não faziam parte do grupo. Aliás, eram olhados com uma estranheza que beirava ao exílio.
Em casa não se falava de amor, da sua alquimia. Os pais raramente se beijavam ou se abraçavam publicamente, nem mesmo – ou principalmente – na presença dos filhos. O amor aparecia nos namoros que observávamos em nossas primas, irmãs – no meu caso não, que não tenho irmã – e vizinhas mais velhas. E as vizinhas eram as secretamente invejadas, pois namoravam “descaradamente”, beijavam os namorados na rua sem a menor vergonha, saíam e entravam de carros com uma desfaçatez que os moralistas nomeavam-nas logo como filhas da outra (daí a inveja secreta, vai que também fôssemos nomeadas!).
Se não falavam entre si sobre o amor, para nós, crianças, nem rabiscos. Uma aproximação de um colega já era uma ameaça em potencial, tanto que tratavam logo de afastar o dito cujo, ou bem pior – faziam com que nos afastássemos dele. Lembro nitidamente de um colega d quinta série que em uma tarde resolveu aparecer na minha casa sem ser para estudar. Só tive tempo de chegar à porta e minha mãe saltou lá da cozinha perguntando o que ele queria e no mesmo tom, acho que antes mesmo da resposta do Josué – esse era o nome do boy – mandá-lo embora. Ele foi e durante o resto do ano letivo não falou comigo, o que manteve enquanto estudávamos por quatro anos em outra escola e ainda na faculdade quando nos encontrávamos no campus universitário, adultos, eu, casada e ele ainda solteiro.
Essa vigilância de minha mãe não valeu quando eu tinha quatorze anos, pois em plena Copa do Mundo de 70 eu ameaçava um namoro com um rapaz que até então tinha sido meu vizinho, mais velho do que eu. Para ele as restrições foram bem menores, tão menores que com ele casei aos dezoito anos. Aí é outra história.
Se o amor era assim, o tempo era apenas o vagaroso passar das horas divididas entre escola, domingo marcado pela feira à porta de casa e escola dominical de manhã, arrumar casa, estudar, conversar na calçada, assistir novela não, que não tínhamos televisão - tínhamos tele vizinha, mas nem sempre acessível. Tudo parecia muito longo, muito longe. O máximo do tempo que víamos era completar dezoito anos e entrar num cinema para ver filme adulto, poder beber nem que fosse um gole de vinho e ler abertamente aqueles livros considerados proibidos (Até hoje não sei por que, pois li muitos antes dos dezoito anos e achei-os uma besteira e falo aqui especificamente de Nossa Vida Sexual do famoso autor Fritz Kahn, cujo exemplar vivia escondido na gaveta do guarda-roupa do meu primo mais velho, que morava vizinho a minha casa, e O Amante de Lady Chatterley de D. H. Lawrence.
Ao contrário do amor, o tempo nos mostrou ser traiçoeiro quando em um intenso inverno, interior sob a ação de enchentes, estradas carregadas pelas águas, uma colega morreu afogada ao tentar atravessar um rio se agarrando às cordas que serviam como uma ponte suspensa. Ela não aguentou o cansaço e caiu, sendo arrastada pelas águas. Nem a família nem nós da rua superamos de todo esse acontecimento, ainda mais que no decorrer do tempo vimos a família se desintegrar como consequência disso.
Passados tantos anos, ainda entendo pouco de amor e muito menos de tempo, embora sinta e veja em mim mesma a ação dos dois. Já sorri, fui feliz, chorei e desanimei com os dois, ainda que a felicidade tenha entrado pela porta e ficado. Do que não aprendi, os dois me ensinaram que a vida é só uma e por isso mesmo deveríamos nascer velhos e aos poucos regredindo, aplicando o que sabemos, deixando pelo tempo a casca do que não nos serve para pequenos esquecer, morrer, renascer. Ensinar, sobretudo, a aproveitar cada dia.
Mesmo com essa inversão, nem o amor, tampouco o tempo, conseguiria nos livrar desse ciclo de vida & morte que nos aprisiona contra nossa vontade. Na ânsia de ganhar tempo, perdemos muitas coisas e no medo de amar, perdemos muito tempo, oportunidade de amar pessoas. Afinal, o MARIO QUINTANA no poema O TEMPO é quem tinha razão, pois
Agora, imaginem a dificuldade de adolescentes nos idos final dos anos 60 em cumprir essa tarefa. O que sabíamos do amor? Nada. Do tempo muito menos. O amor era em preto e branco nas fotonovelas que eu comprava no sebo na banca da feira livre, hábito também o das minhas amigas com quem trocava livros e revistas, caso contrário não leríamos nada. Apesar dessas imagens de amor, não lembro se as conversas já rondavam assuntos de namoro, casamento. Acho que não, pois éramos àquela época imaturas para tais assuntos. O universo ainda girava em volta de livros, estudar para provas, sorvetes, ouvir música e meninos não faziam parte do grupo. Aliás, eram olhados com uma estranheza que beirava ao exílio.
Em casa não se falava de amor, da sua alquimia. Os pais raramente se beijavam ou se abraçavam publicamente, nem mesmo – ou principalmente – na presença dos filhos. O amor aparecia nos namoros que observávamos em nossas primas, irmãs – no meu caso não, que não tenho irmã – e vizinhas mais velhas. E as vizinhas eram as secretamente invejadas, pois namoravam “descaradamente”, beijavam os namorados na rua sem a menor vergonha, saíam e entravam de carros com uma desfaçatez que os moralistas nomeavam-nas logo como filhas da outra (daí a inveja secreta, vai que também fôssemos nomeadas!).
Se não falavam entre si sobre o amor, para nós, crianças, nem rabiscos. Uma aproximação de um colega já era uma ameaça em potencial, tanto que tratavam logo de afastar o dito cujo, ou bem pior – faziam com que nos afastássemos dele. Lembro nitidamente de um colega d quinta série que em uma tarde resolveu aparecer na minha casa sem ser para estudar. Só tive tempo de chegar à porta e minha mãe saltou lá da cozinha perguntando o que ele queria e no mesmo tom, acho que antes mesmo da resposta do Josué – esse era o nome do boy – mandá-lo embora. Ele foi e durante o resto do ano letivo não falou comigo, o que manteve enquanto estudávamos por quatro anos em outra escola e ainda na faculdade quando nos encontrávamos no campus universitário, adultos, eu, casada e ele ainda solteiro.
Essa vigilância de minha mãe não valeu quando eu tinha quatorze anos, pois em plena Copa do Mundo de 70 eu ameaçava um namoro com um rapaz que até então tinha sido meu vizinho, mais velho do que eu. Para ele as restrições foram bem menores, tão menores que com ele casei aos dezoito anos. Aí é outra história.
Se o amor era assim, o tempo era apenas o vagaroso passar das horas divididas entre escola, domingo marcado pela feira à porta de casa e escola dominical de manhã, arrumar casa, estudar, conversar na calçada, assistir novela não, que não tínhamos televisão - tínhamos tele vizinha, mas nem sempre acessível. Tudo parecia muito longo, muito longe. O máximo do tempo que víamos era completar dezoito anos e entrar num cinema para ver filme adulto, poder beber nem que fosse um gole de vinho e ler abertamente aqueles livros considerados proibidos (Até hoje não sei por que, pois li muitos antes dos dezoito anos e achei-os uma besteira e falo aqui especificamente de Nossa Vida Sexual do famoso autor Fritz Kahn, cujo exemplar vivia escondido na gaveta do guarda-roupa do meu primo mais velho, que morava vizinho a minha casa, e O Amante de Lady Chatterley de D. H. Lawrence.
Ao contrário do amor, o tempo nos mostrou ser traiçoeiro quando em um intenso inverno, interior sob a ação de enchentes, estradas carregadas pelas águas, uma colega morreu afogada ao tentar atravessar um rio se agarrando às cordas que serviam como uma ponte suspensa. Ela não aguentou o cansaço e caiu, sendo arrastada pelas águas. Nem a família nem nós da rua superamos de todo esse acontecimento, ainda mais que no decorrer do tempo vimos a família se desintegrar como consequência disso.
Passados tantos anos, ainda entendo pouco de amor e muito menos de tempo, embora sinta e veja em mim mesma a ação dos dois. Já sorri, fui feliz, chorei e desanimei com os dois, ainda que a felicidade tenha entrado pela porta e ficado. Do que não aprendi, os dois me ensinaram que a vida é só uma e por isso mesmo deveríamos nascer velhos e aos poucos regredindo, aplicando o que sabemos, deixando pelo tempo a casca do que não nos serve para pequenos esquecer, morrer, renascer. Ensinar, sobretudo, a aproveitar cada dia.
Mesmo com essa inversão, nem o amor, tampouco o tempo, conseguiria nos livrar desse ciclo de vida & morte que nos aprisiona contra nossa vontade. Na ânsia de ganhar tempo, perdemos muitas coisas e no medo de amar, perdemos muito tempo, oportunidade de amar pessoas. Afinal, o MARIO QUINTANA no poema O TEMPO é quem tinha razão, pois
"A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando de vê, já é sexta-feira!
Quando se vê, já é natal...
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê passaram 50 anos!
Agora é tarde demais para ser reprovado...
Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas...
Seguraria o amor que está a minha frente e diria que eu o amo...
E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo.
Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz.
A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará."
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