Pular para o conteúdo principal

Hoc Opus, Hic Labor Est

Mesmo cansada, quando cheguei à noite, liguei o televisor na tentativa de ver alguma notícia nos últimos telejornais. E ouvi o apresentador anunciar que em documento intitulado Sacramentum Caritatis (O Sacramento do Amor) o Papa Bento XVI sugere aos padres que voltem a rezar as missas em latim; que o canto gregoriano volte a ser entoado nas igrejas; que o casamento de divorciados é uma praga e que políticos católicos fiquem atentos para a não aprovação de leis liberais que atentem contra a família e a vida (traduzindo: não aprovem leis a favor de casamentos homossexuais, a eutanásia, o aborto); que os padres evitem a confissão comunitária, que o momento de confraternização na hora da missa, aquele que todo mundo se abraça e deseja paz, não seja longo provocando distração e que os padres cuidem esteticamente das igrejas, isto é, limpem direitinho os altares e os santos. Amém.
Religião é uma coisa complicada e quem tem bom senso não a discute. O que seguirei aqui. Depois que inventaram que crença e religião formam um par inseparável, tem muito nego aí ficando doido devido a conflitos íntimos entre o seu querer e o querer da Igreja, tem muita gente matando em nome de Deus – seja lá de que religião for. (Uma das passagens literárias mais impressionantes que já li é a que tem no livro O Evangelho Segundo Jesus Cristo, quando o autor, José Saramago, descreve o quanto de gente morreu em nome de Deus).
Vai ser uma comédia os padres falando latim novamente, eles que já esqueceram e outros que nem sequer aprenderam, pois o latim foi abolido em meados dos anos 60 pelo Concílio Vaticano II. Só quero ver o povo da Carismática fazer todos os movimentos gratis pro Deo em latim! Os mineiros é que vão ficar felizes. Afinal seu lema vai voltar à moda: Libertas quae sera tamen!
Que o mundo tá louco não é necessário reafirmar aqui; que há uma falta de valores entre as pessoas, pelo menos de valores humanitários, é visível até para quem não quer vê, mas até que ponto essas medidas vão colocar um freio nos atos insanos praticados diuturnamente pelo mundo? Será que ouvindo a missa em latim os fatos abaixo não mais acontecerão?
1. Uma menina de 04 anos foi levada para uma delegacia em Belo Horizonte porque a mãe de um coleguinha da mesma idade deu queixa porque o filho tinha recebido uma pedrada desferida pela niña. A mãe do garoto, residente no bairro Floramar, chamou a polícia e seis policiais militares e três viaturas compareceram ao local. A garota ficou detida por três horas acompanhada pelo pai, que, terminada a confusão, está processando o sargento da PM que atendeu o chamado (talvez em Belo Horizonte não haja tantos casos necessitando de atenção policial, já que foi toda essa tropa prender a garota; talvez os pais mineiros - como tantos outros pelo mundo - não tenham tempo de conversar com seus filhos, tampouco com os pais dos colegas dos seus filhos para resolver questões afins);
2. Na Austrália, uma senhora, querendo testar o sistema de segurança do Banco, forneceu o nome do seu gato como dependente a um cartão de crédito. Dias depois, o seu cartão e o do gato estavam na sua residência (resta saber se o gato vai utilizar o seu para comprar exclusivamente salmão!);
3. Uma estudante residente no bairro carioca de Vila Isabel surpreendeu-se com uma bala a fazer um prosaico misto-quente. Não que a bala estivesse à deriva, de tantas perdidas que há pelo Rio, mas estava bem acondicionada na terceira fatia de pão que ela retirou da embalagem. O pão fora fabricado no dia 28 de dezembro, mesmo dia em que o Rio se transformou numa Beirute nas mãos de bandidos;
4. Um site na Internet criou o Prêmio Darwin para homenagear as mortes mais bobas acontecidas a cada ano. Em 2006 o vencedor foi um casal de americanos que morreu de insuficiência respiratória a bordo de um balão a hélio.
Os fatos acima foram retirados da revista Ciência Criminal, número 6 e mostram bem os absurdos a que chegamos. Mostram principalmente que estamos perdendo tempo com as aparências e deixando a essência da vida acabar em meio a frivolidades. Não que Religião seja uma frivolidade, mas atribuir uma reforma de valores à ressurreição de uma língua morta há tempos é mascarar a realidade, fugindo de soluções práticas e realísticas.

(A propósito: o título é uma expressão latina atribuída ao poeta Virgílio e significa "Aí é que está a dificuldade"!).

Comentários

Anônimo disse…
Fiq preo ñ Dnice, Nando Reis ainda canta "O mundo é bom Sebastião", os anjos ainda dizem amém, ainda resta a fé...

Hoje: Dies incertus, mas Dias melhores virão!!!
Eu acho que a tendência é ainda piorar antes de dar a volta por cima. O papa faz isso, por exemplo, pra ver se as coisas voltam aos eixos certos. Mas que eixos mesmo elas deveriam ter?!

Postagens mais visitadas deste blog

Bugol

  Nos idos dos anos 60, os Estados Unidos implementaram um programa de assistência aos países do terceiro mundo denominado de Aliança para o Progresso. Através dele, a população carente recebia alimentos para suprir as necessidades nutricionais, além de recursos financeiros para o desenvolvimento do estado, como casas populares, escolas. Dessa leva, em Natal se construíram o conjunto habitacional Cidade da Esperança e o Instituto de Educação Pte Kennedy, enquanto o navio Hope, ancorado no Porto na Ribeira, distribuía leite em pó e realizava tratamentos médicos e cirurgias que até então eram inacessíveis aos potiguares. O símbolo do programa era um aperto de mãos entre indivíduos, simbolicamente estadunidenses e latinos americanos. Os americanos não estavam preocupados altruisticamente em salvar populações da fome. Estavam muito mais interessados em fazer com que o comunismo não aportasse e conquistasse terrenos por essas bandas. Era o tempo da guerra fria, o mundo polari...

Miolo de quartinha e carga d'água

Não adianta. Não adianta colocar os dedos sobre o teclado e fazer um download que me leve à inspiração quando os acontecimentos me travam para o escrever e preencher o espaço do blog esta semana. Já pensei numa série de coisas, fictícias ou reais, e nada. Já li alguns jornais em busca de uma notícia que merecesse um comentário e nada. E olha que encontrei um bocado de coisa: no Paraná, um cinegrafista morreu atropelado por um avião. O rapaz de apenas 26 anos, olhando pela angular da câmera, não percebeu que o avião estava verdadeiramente próximo e sofreu o impacto fatal. Um marinheiro russo, servindo em um submarino, foi preso porque plantou maconha em uns jarrinhos perto da escotilha e estava "abastecendo" os colegas (isso sim é que visão capitalista!); o estilista famoso da Luciana Giminez, Ronaldo não sei das quantas, foi preso no cemitério roubando dois vasos de flores. Ele se explicou cientificamente: disse que estava tomando um remédio antidepressivo que o fazia comete...

Espirro cafeínado

O inusitado acontece a todos. Se houvesse uma câmera na hora, precisamente sexta-feira, na praça de alimentação do Midway, agora eu estaria pateticamente conhecida e uma amiga estaria com novo modelo de blusa para todo o Brasil (segundo ela mesma, num exemplo de bom humor, uma blusa com bordados de Caicó!). Avessas ao carnatal, éramos quatro em uma mesa na um pouco menos barulhenta praça de alimentação do shopping, em final de expediente, devido que a cidade inteira – ou quase – mobilizava-se em torno de o Chiclete com Banana, Trios & Cia – que Deus nos proteja de tamanha sandice! Depois de alguns Sushi e Sashimi, duas bebiam cerveja, uma comia torta de limão, e eu resolvi tomar um cappuccino. Conversa vai e vem, a conversar girou para as excentricidades de uma de nós que não viaja porque tem medo, podendo até desmaiar durante o percurso. A sugestão foi que não haveria problema em desmaiar, pois quando chegasse ao destino, já estaria lá mesmo, ou então, provocássemos um desmaio e l...

Fermento

Não parecia, mas era. Era bruxa. Não das antigas com vassoura e balde e corvos sobre os ombros. Das modernas, aliás bem modernas. Tinha uma namorada. É verdade que a namorada não valia nada, só queria o bem estar proporcionado pelo dinheiro, mas tava ali toda noite lhe dando uma costela quente. Nem sempre o algo mais. Tinha 60 anos, aparência de 50 depois de algumas correções estéticas, aposentada por órgão federal depois de muito trabalho e algumas bruxarias. Viagem anual à Europa, banho de civilização e guarda-roupa renovado nas calles espanholas e piazzas italianas. Quando necessário, usava alguns truques sem que os outros percebessem. Era uma fera na arte da dissimulação. A namorada era o alvo preferido. Freqüentava o mesmo bar há anos, embora de restaurante tivesse mais opções, porque era adepta da boa mesa. E era no bar onde as brigas sempre começavam. Bastava um olhar atravessado, um sorriso mais gentil para que os demônios lhe cutucassem disparando suspeitas em volta da pobre m...

Amor de feira

Não chega notícia nenhuma. Uma leve saudade a faz esperar, embora saiba que nada virá. Não pode culpar o carteiro, não se entrega carta que não é postada. A carta pedindo notícias foi inútil. Sabe que foi entregue, pois fulano recebeu resposta a que mandara. Para ela nada. O silêncio é o adeus não pronunciado. Paga pelo erro de gostar de frutas próprias de cada estação. O último encontro fora de muita conversa e nada. Não podia simplesmente sair de casa, deixar tudo assim como quem vai à esquina para logo voltar. Não cedera às exigências pedidas em nome do amor. Que amor? O amor viera de caminhão com as frutas descarregadas no pátio da feira. Melões, graviolas, abacaxis, bananas, cajás da região que há muito não vê. Do avental tirara o dinheiro pagando a entrega e justando prazo para novo descarrego. Olhara bem aquele homem e o corpo de imediato estremecera. Mal disse obrigada e voltara para trás da banca. Ele dera as costas indiferente a sua presença, interessado no dinheiro, na carga...

DOIDera

Tem alma reclusa, dessas que se basta ao sentar e ler um livro em vez de sair, tomar cerveja no calorão da cidade. Os amigos não entendem e por não compreenderem pararam os convites para as noitadas. Só de ano em ano, aniversário, confraternização de natal é que se lembram de convidar-lhe. Cinema no mais das vezes vai sozinha que a companhia não é companhia para as horas que ela pode e também porque não é mais riso pra ninguém. A turma, a outra, é bem mais animada. Há dias em que pensa que é melhor usar uma capa de invisível e passar pela vida sem ser vista. Mas, é teimosa e insiste em viver. Viver de teimosia é seu lema há um tempão, desde aquele dia longínquo quando se deu conta de que era só, mesmo que vivesse arrodeada de gente. Já tentou, bem que tentou se livrar dessa sensação, mas não conseguiu. Festa de casamento, nascimento de filho, enterros, formatura, tudo que junta gente só lhe faz aumentar a dor de se saber só. Quando adoece, adoece por inteiro, começando na cabeça...