Pular para o conteúdo principal

Filosofia a granel

 
 Essa semana conversei com um colega sobre o livro "A Caverna", escrito por José Saramago, pois nele há um lugar chamado de Centro, onde as pessoas vivem isoladas do mundo, tendo ao seu dispor alguns entretenimentos, sendo, no entanto, monitoradas por câmeras.
Também comentamos o enredo do filme A Vila, dirigido por Night Shyamalan em 2004 e que mostra uma comunidade totalmente isolada do resto da civilização, vivendo no ano de 1897. Em determinado ponto, os mais jovens questionam por que não podem atravessar o bosque e ver o que tem além. Em meio a ataques de estranhas criaturas (ao final, apenas um êngodo ameaçador para que ninguém se atreva a sair), cabe a uma jovem cega a tarefa de ir em busca de ajuda naquilo que seria uma cidade além dos limites da floresta. E eis que a garota encontra uma rodovia no Estado da Pensilvânia totalmente urbanizada, civilizada, numa demonstração que o povo da vila parara no tempo com medo do progresso, do conhecimento. E, cega, nada pode ver do progresso que está a sua frente
!
Como uma coisa leva a outra, falamos sobre O Mito da Caverna, ou mais precisamente a alegoria criada por Platão para quem a humanidade vive condenada a ver sombras considerando-as verdadeiras. (Isso escrito há quase 2500 atrás!).
No livro VII de "A República", Platão imagina um grupo de pessoas vivendo em uma caverna, acorrentadas e de costas para a entrada, vendo apenas fugazes sombras que se movimentam, consideradas deuses pelos que de lá de dentro só isso percebem. Se uma daquelas pessoas saísse, de início seria ofuscada pelo sol, mas aos poucos ficaria fascinada pela exuberância de um novo conhecimento, saindo das sombras para o real.
Não sou expert em Platão, mas pelo que depreendi, a idéia central é que o conhecimento real é tão forte, comparado ao sol que ofusca, que pode cegar o indivíduo acostumado a viver na escuridão, embora o espetáculo depois do impacto inicial seja deslumbrante.
Nisso tudo, ainda me lembro de uma amiga que me contou uma estória acontecida quando ela tinha 12 anos, há 14 anos atrás. Ao se confessar, ela falou ao padre que não tinha o que dizer porque não entendia a idéia de pecado. E o padre lhe disse que o pecado era o conhecimento. Ao que ela perguntou como podia se o conhecimento vinha de Deus. O padre respondeu-lhe que o conhecimento vinha do homem que o adquiria querendo ser Deus e nisso residia o pecado!
Infelizmente, para alguns o conhecimento ainda é algo perigoso. Arriscar-se a saber é na concepção de alguns um caminho que leva à perdição. Para que saber se tudo é feito conforme a vontade de Deus? Mesmo que seja a vontade de Deus, que haja um destino traçado, imutável apesar do que façamos na vida, não nos cabe viver em cavernas, cegos guiando cegos. Riscos há sempre. Pensar que a vida é fácil é iludir-se num romantismo piegas que não leva a nada. Melhor é lembrar-se de Guimarães Rosa e de sua advertência de que "viver é muito perigoso", é cantar Raul Seixas, pois temos "dois pés para cruzar a ponte".
Então, "tente/ levante sua mão sedenta e recomece a andar/não pense que a cabeça agüenta se você parar/há uma voz que canta, uma voz que dança/uma voz que gira/bailando no ar."

Comentários

Anônimo disse…
Isso mesmo garota: Adelante!!!

Tô contigo e não abro!!! Bj grande
Anônimo disse…
Navegar é preciso. Imprecisa é a chegada.
Caminhando e sempre lembrando que: se a vida lhe der as costas, passe a mão na bunda dela.
Abraço, Ednice.
Anônimo disse…
Acabo de passar pelo seu "Blog"... mera coincidencia...o que nao sera a coincidencia se nao um mero encontro predeterminado pelo acaso?

Fiquei parado um pouco a ler...o Saramago tem um outro livro bem interessante que recomendo (embora a filosofia seja outra) "A Historia do Cerco de Lisboa".

Li recentemente dois ou tres livros do Luis Alfredo Garcia-Roza - pena que na versao Inglesa, mas mesmo assim adorei. Estou de momento a ler "O Codex 632" - do Jose Rodrigues dos Santos, que desde ja recomendo (ate pelo lado Brasileiro da estoria)

Saudacoes amigas de um desconhecido em Londres/Inglaterra.

Beto

PS Peco desculpa pela falta de pontuacao. Trata-se de um teclado barbaro este (Ingles).

Postagens mais visitadas deste blog

Bugol

  Nos idos dos anos 60, os Estados Unidos implementaram um programa de assistência aos países do terceiro mundo denominado de Aliança para o Progresso. Através dele, a população carente recebia alimentos para suprir as necessidades nutricionais, além de recursos financeiros para o desenvolvimento do estado, como casas populares, escolas. Dessa leva, em Natal se construíram o conjunto habitacional Cidade da Esperança e o Instituto de Educação Pte Kennedy, enquanto o navio Hope, ancorado no Porto na Ribeira, distribuía leite em pó e realizava tratamentos médicos e cirurgias que até então eram inacessíveis aos potiguares. O símbolo do programa era um aperto de mãos entre indivíduos, simbolicamente estadunidenses e latinos americanos. Os americanos não estavam preocupados altruisticamente em salvar populações da fome. Estavam muito mais interessados em fazer com que o comunismo não aportasse e conquistasse terrenos por essas bandas. Era o tempo da guerra fria, o mundo polari...

Miolo de quartinha e carga d'água

Não adianta. Não adianta colocar os dedos sobre o teclado e fazer um download que me leve à inspiração quando os acontecimentos me travam para o escrever e preencher o espaço do blog esta semana. Já pensei numa série de coisas, fictícias ou reais, e nada. Já li alguns jornais em busca de uma notícia que merecesse um comentário e nada. E olha que encontrei um bocado de coisa: no Paraná, um cinegrafista morreu atropelado por um avião. O rapaz de apenas 26 anos, olhando pela angular da câmera, não percebeu que o avião estava verdadeiramente próximo e sofreu o impacto fatal. Um marinheiro russo, servindo em um submarino, foi preso porque plantou maconha em uns jarrinhos perto da escotilha e estava "abastecendo" os colegas (isso sim é que visão capitalista!); o estilista famoso da Luciana Giminez, Ronaldo não sei das quantas, foi preso no cemitério roubando dois vasos de flores. Ele se explicou cientificamente: disse que estava tomando um remédio antidepressivo que o fazia comete...

Sol, do re mi fá de chuva

Chove. Aqui, como em toda cidade que raramente chove, quando chove, chove sem preparação. Época já de findo verão e anunciação do inverno. Contudo, aqui não sabemos o que é inverno. Mesmo quando chove, faz calor. Da terra vem uma quentura que cola na pele, pegajosa pele. Quem sabe do inverno é o povo do sertão que vê os açudes sangrando, que aproveita a água do céu para plantar o milho e o feijão colhidos nas festas de São João. Chove. De repente as ruas são tomadas por guarda-chuvas, passos apressados que pulam poças de água. Aqui, como em toda cidade que raramente chove, quando chove, o que se vê são ruas enlameadas, barracos encosta abaixo, velhas árvores desabando sobre carros. Somos uma cidade com vocação para o sol, daí negar que um dia choverá. A espera da chuva se faz sem crença. Chove. A tarde se apresenta num lusco-fusco que cintila nas lâmpadas de mercúrio que conferem às ruas um ar fantasmagórico em meio à água que cai. Na calçada, a moça se desvia do banho irresponsável do...

Espirro cafeínado

O inusitado acontece a todos. Se houvesse uma câmera na hora, precisamente sexta-feira, na praça de alimentação do Midway, agora eu estaria pateticamente conhecida e uma amiga estaria com novo modelo de blusa para todo o Brasil (segundo ela mesma, num exemplo de bom humor, uma blusa com bordados de Caicó!). Avessas ao carnatal, éramos quatro em uma mesa na um pouco menos barulhenta praça de alimentação do shopping, em final de expediente, devido que a cidade inteira – ou quase – mobilizava-se em torno de o Chiclete com Banana, Trios & Cia – que Deus nos proteja de tamanha sandice! Depois de alguns Sushi e Sashimi, duas bebiam cerveja, uma comia torta de limão, e eu resolvi tomar um cappuccino. Conversa vai e vem, a conversar girou para as excentricidades de uma de nós que não viaja porque tem medo, podendo até desmaiar durante o percurso. A sugestão foi que não haveria problema em desmaiar, pois quando chegasse ao destino, já estaria lá mesmo, ou então, provocássemos um desmaio e l...

Where's Monaliza's smile?

Mesmo antes, muito antes, do boom Dan Brown e seu código Da Vinci – dos quais ninguém agüenta mais falar/ouvir – já havia uma polêmica sobre quem seria a mulher de tão enigmático sorriso pincelada pelo Da Vinci, chegando mesmo a se especular que não foi o Leonardo que pintou o famoso quadro (quem sabe foi o Donatello, ou o Rafael, ou o Michelangelo, as tartarugas ninjas!). Depois de todas essas letrinhas aí acima, vocês podem pensar que me atreverei a escrever sobre pintura renascentista. Não. Quero me referir a outra Mona Lisa. Uma mocinha de 20 anos, cuja grafia do nome era Monaliza. Monaliza era igual a uma danação de jovens que todos os dias sai para trabalhar, estuda, gosta de baladas, passeia pela internet e curte o sol maluco de Ponta Negra. Também como um bocado de moças, ela tinha um namorado. E aí começava o problema de Monaliza. O namorado tinha aquilo que hoje os psiquiatras e psicanalistas denominam de "síndrome de Otelo", referência ao personagem Otelo da tragéd...

Fermento

Não parecia, mas era. Era bruxa. Não das antigas com vassoura e balde e corvos sobre os ombros. Das modernas, aliás bem modernas. Tinha uma namorada. É verdade que a namorada não valia nada, só queria o bem estar proporcionado pelo dinheiro, mas tava ali toda noite lhe dando uma costela quente. Nem sempre o algo mais. Tinha 60 anos, aparência de 50 depois de algumas correções estéticas, aposentada por órgão federal depois de muito trabalho e algumas bruxarias. Viagem anual à Europa, banho de civilização e guarda-roupa renovado nas calles espanholas e piazzas italianas. Quando necessário, usava alguns truques sem que os outros percebessem. Era uma fera na arte da dissimulação. A namorada era o alvo preferido. Freqüentava o mesmo bar há anos, embora de restaurante tivesse mais opções, porque era adepta da boa mesa. E era no bar onde as brigas sempre começavam. Bastava um olhar atravessado, um sorriso mais gentil para que os demônios lhe cutucassem disparando suspeitas em volta da pobre m...