Nos idos dos anos 60, os
Estados Unidos implementaram um programa de assistência aos países do terceiro
mundo denominado de Aliança para o Progresso. Através dele, a população carente
recebia alimentos para suprir as necessidades nutricionais, além de recursos
financeiros para o desenvolvimento do estado, como casas populares, escolas. Dessa
leva, em Natal se construíram o conjunto habitacional Cidade da Esperança e o
Instituto de Educação Pte Kennedy, enquanto o navio Hope, ancorado no Porto na
Ribeira, distribuía leite em pó e realizava tratamentos médicos e cirurgias que
até então eram inacessíveis aos potiguares.
O símbolo do programa era um
aperto de mãos entre indivíduos, simbolicamente estadunidenses e latinos
americanos. Os americanos não estavam preocupados altruisticamente em salvar
populações da fome. Estavam muito mais interessados em fazer com que o comunismo
não aportasse e conquistasse terrenos por essas bandas. Era o tempo da guerra
fria, o mundo polarizado entre americanos e soviéticos, o inimigo vermelho.
À minha família não interessava
muito quais os propósitos por trás da ajuda, embora minha mãe, como boa
protestante, visse nos comunistas o diabo em pessoa. Recebiam-se leite e um
tipo de grão que o povo chamava de bugol. Era um grão semelhante ao arroz
integral, com o qual se fazia uma espécie de papa de gosto horrível. O tal
bugol era servido nas escolas como merenda e não tinha negociação que me
fizesse comê-lo.
Anos passados, sempre tive
curiosidade de saber que comida era aquela e como era preparada no país de
origem, porque nunca mais comera algo como aquilo – ou melhor, com aquilo. Ao
comer kibe pela primeira vez, veio à mente o bugol de antes, embora não tenha
feito conexão, porque no kibe, ainda que um tipo de trigo, só me vinha à mente
o trigo refinado, farinha. Continuei com a dúvida e a quem perguntava também
não sabia – pessoas daquele tempo lembravam-se da comida, mas não sabiam a
origem.
Este ano lendo Dias de Mel,
livro da americana Annia Ciedzadlo, que conta sua estadia em Beirute, acompanhando
o marido libanês, entre fatos dos eternos conflitos da cidade, o livro registra
algumas receitas árabes e em uma delas aparece o bugol. Na verdade,
bulgar-wheat (ou Bulgur).
Explica-se por que o nome bugol.
Era uma corruptela de bulgar, um cereal feito a partir de variadas espécies de
trigo, utilizado em muitas receitas de comida de origem árabe.
Estava desvendado um mistério
da minha infância/adolescência. Além dessa descoberta, de quebra ainda ganhei
mais um exemplo de como o povo vai adaptando os sons de uma língua estrangeira
à sua própria, criando novos vocábulos. Da época, ainda lembro grandes sacos de leite, das latas do querosene jacaré, necessário àquele à fome, este
quando faltava luz elétrica, vinda de forma tão deficiente de Paulo Afonso.
Lembro dos cabelos ao vento do
senador americano Robert Kennedy, passando na rua onde eu morava, acompanhado de
Aluízio Alves. Contudo, isso é outra história.
Comentários
Seu escrito relatado sobre merece aplausos. Muito bom. Parabéns
josenapoleaoangelo@gmail.com