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Afinal, para qUÊ

Falar de notícia para quê?
As mortes se agigantam, sangram nas telas
absorvem papéis.
Crianças são abandonadas nas ruas, 
em elevador.
A insolência é tão grande, a crença 
na impunidade é tão intensa
que não se importam mais que o mal
seja às claras, aberto, escancarado
debochado na cara dos justos.
Não se tem paciência de segurar na mão do menino
e dizer fique quieto, sua mãe já volta.
Para o passeio do cachorro a patroa deixa
tempo sobe e não desce.
Entre a bolsa e a vida, a bolsa
vazia de nada serve
mas no tempo de depois o rio correria como sempre
trocar de bolsa, melhorar.
Sem vida, sem bolsa, perdido tudo.
Viver se torna mais duro e os poderes
que se pensam imunes não moram
debaixo de árvores, canteiros pelas ruas
não veem estrelas em barracão de zinco
- coisa de poética!
Não há poesia na fome, na dor.
Afinal, pensam eles, para que tanto alarde
é só 
um negro a mais que o policial tira da rua
um velho a mais que já deveria ter partido
um estudante a mais que na rua se rebela
uma criança a mais de mãe que inventou de ter
um professor a mais que deveria repetir a lição
um jornalista a mais que deveria ser calado 
uma mulher a mais que não sabe seu lugar na cozinha
uma moça atrevida a mais de rímel, batom e colares
um homem a mais que pecou amando o amigo
- para quê tanto alarde, afinal?
Alardeamos para não morrer de omissão
para que não nos matem antes do tempo
para mostrar que somos corpo e alma
para provar que a vida vale.
Alardearemos para 
defender a vida com justiça que queremos
para encenar o espetáculo de vozes que temos
para fazer a luta na hora que reconhecemos 
para que não nos calem antes do tempo.
Afinal, perguntamos nós, para que tanto alarde?
Somos só
um bando de gente sendo gente!

Comentários

Iraneide disse…
Parabéns, professora Ednice, você é admirável!
Iraneide
@iraneidearaujode

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