sábado, agosto 31

Petra



Quando fui pedra / quarando os choros em beira de rios
Avolumei lágrimas e cansaços.
Quando fui guerra / incendiando os passos em desalentos
Arrebentei amarras e depressões.
Quando fui pedra.

Quarando ternura sobre as pedras / quando fui guerra
Acariciei risos e abraços.
Fui pedra.
Expurgando dores sob os risos/quando fui pedra
Expulsei toda a mágoa e solidão.
Fui guerra.

Inundei toda tristeza e desamparo
Refiz a vida e a receita
Apedrejei toda ausência e traição.
Pedra.
Enganei  a saudade e a maldição
Expus meu riso em largas praças
Mudei de tênis e de calçada.
Guerra.

Quando sou nuvem /  passarinhando por entre os fios
Levito sobre o dossel encantado
Caio, levanto e passo
Estendo o braço e ergo as mãos.
Sou pedra feita de aço.

domingo, agosto 4

ARCo



Se te vejo sob a moldura
meus braços se transformam em emoção
tuas mãos são arcos elevados
amor e sedução.
Quando te sinto bem de perto
teu olho translúcida paixão
transfigura minha alma em desatino
perco arco, deixo o chão.
Se te perco de meu olhar
figura solta em vão de porta
destino se mistura em oração
caminho torto de perdição.
Quando me sinto em comunhão
tua alma água em ebulição
faz em minha fronte santa bênção
perco medo, deixo o chão.

domingo, julho 14

Costura




Quando te pensei costura
A linha se emaranhou em minha mão
Feito lã e gato enovelados.

Quando te pensei poente
O sol se fez inverno em tua face
Feito frio e agasalho acasalados.

Quando te pensei copo
A água se fez mais límpida em meu olho
Feito gelo e calor emparelhados.

Agora que fazes costura em minh’alma
E lavas minha ternura em teu agasalho
Não há frio nem poente.
Não há limpidez maior em minha face
Nem linha em traçado tão caliente.
Agora que em minh’alma calor fazes.

sábado, julho 6

Luta fugaz


As mãos passeam lentas
por um campo minado
de amor.
Fogueiras acendem-se
e na horizontal
labaredas de paixão ascendem
consumidas em carinhos.
As vozes sussurram dentro da noite
suores escorrem entre corpos.
Sou grito estendido e mão contraída.
És respiração ofegante, aperto mais forte.
Ambos guerrilheiros do amor
empenhados em uma luta
que a tudo exalta
e em um instante morre.

quarta-feira, junho 5

Flash

A voz se aquieta em dormente apatia.  
O silêncio cala a angústia
amedronta o amor
e nas armadilhas a paixão emudece.
O olhar contempla aflito e errante
a alma pulsa em compasso desespero.
Os pés, esses cambaleiam na incerteza          
dunas de indiferença e  solidão.
A palavra faz o caminho inverso
afastamento de quem pontua errado
um texto já esquecido, de outrora sentido.
Teimosa a mão se lança no abraço
a cabeça em maresia se eleva
tonta de esperança e fé.
O tempo irá dizer
se insensatez ou comunhão.

domingo, maio 12

Passione

Uma paixão que salta aos olhos
solta amarras do coração
queima em desejos únicos
faz-se gesto em abraços
é labareda que se assume
no sumir de noites vãs
faz do silêncio eco
zumbido de emoções.
Uma paixão que ama
faz do amor sua paixão
entre portas e camas
renasce em única forma
a forma de ser alma
irmã de eterna paixão.

quarta-feira, maio 1

Someday


Algum dia
quando eu crescer
não mais sentirei vazio
a me percorrer
nem lágrima a me inundar
por dentro.
Se um dia vier a ser
quem sabe o que terei
nos lugares ocupados por vazios
e por dentro o que me inundará.

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Escrito há 29 anos, quando eu tinha 28, o poema revelava toda uma inquietação. Uma solidão acompanhada de gentes.
Ainda escrevo e a inquietação - ainda que redundante! - se aquietou - ou mudou de posição. Hoje se deita comigo sem me tirar o sono.
As palavras ainda não me deram a resposta - como disse Cecília Meireles - para o desenho da vida. Todavia, continuo desenhando.
Quem sabe um dia o desenho fique pronto! Ou tomara não - assim viverei um tanto a mais.

sexta-feira, janeiro 18

PaisAGEM



Os olhos se derramam pela paisagem. Até onde o mar alcança é só lágrima e tristeza. Saudade marinheira.
Sob os pés a areia lhe parece estranha, vontade de asas. No início, a ausência lhe parecera temporária, tempo de uma estação. A da esperança. Ocupara-se tecendo a teia que à noite era proteção contra os ventos à porta de casa.
Os olhos se derramam pela paisagem. Até onde o sertão alcança é só mágoa e dor. Saudade sertaneja.
Sob as mãos o algodão lhe parece estranho, vontade de linho. No início, a ausência lhe parecera eterna, tempo de uma vida. A da resignação. Ocupara-se guardando o sol que à noite era esconderijo contra os desejos à beira da cama.
Os olhos se derramam pela paisagem. Até onde a planície alcança é só desamparo e solidão. Saudade invernal.
Sob o rosto os vincos lhe parecem rudes, vontade de velhice. No início, a ausência lhe parecera vaidade, tempo de uma fase. A da desilusão. Ocupara-se guardando o ar que à noite era líquido contra o tempo escoando pelas mãos.
Os olhos se derramam pela paisagem. Até onde o horizonte alcança é só cansaço e fim. Saudade imortal.