sábado, março 10

Tempo feminino

Espera. Debruçada na janela, protegida pela tênue sombra provocada pelos raios de sol que lá fora brilha, espera. Não sabe bem o quê, sabe apenas que algo acontecerá e não o teme por achá-lo melhor do que esta pasmaceira que a tudo contamina, a tudo querendo matar.
Há tempo a vida se resumiu em acordar, cuidar da casa, dormir. Dias e noites iguais que elevam a angústia a um nível quase insuportável, uma vontade crescente de desaparecer, sumir no meio do vento que nesta época do ano assobia por entre as folhas assombrando até os pensamentos mais íntimos.
Espera. Aos quinze, no meio de livros que povoavam os sonhos, esperava um príncipe honesto e trabalhador que a levasse daquela casa de caibros à mostra, paredes vertendo umidade durante as chuvas, no verão uma estufa deixando a pele pegajosa. Uma casa de silêncios, de vontades cobertas de panos tais como os santos escondidos na Quaresma, de verdades sussurradas entre os muros das vizinhas.
Viera um príncipe que logo se revelou dragão que em enormes labaredas queimara toda a sua vontade, todo o seu eu, deixando-a quase morta, estirada numa cama luxuosa e vazia, à mercê de desejos, vendo a vida pelas frestas das janelas que refletiam o azul do mar, em cujas águas não punham os pés.
O que lhe foi permitido não incluía uma vida plena. Prisioneira de si mesma, aceitara os grilhões impostos e a única concessão foi o estudo, muito mais para lustrar as aparências do que para uma serventia futura.
Espera. A porta fechada às costas sinaliza uma estrada nova a percorrer e ela não sabe bem como irá; apenas, que tem de ir, pois ficar significa morrer de vez, acabar-se naquilo que um dia fora um grande sonho e agora se transformara em fonte de mais angústia.
De algum canto escondido dentro dela mesma sabe que tem de descobrir e retirar a força necessária à caminhada, porque agora é só ela com ela mesma, ainda que ecoe dentro de si as recriminações que por momento deixam-na à deriva na incerteza da decisão tomada, tantas vezes adiada.
Espera. A fila de jovens saídos da faculdade amedronta-a, visto que naquela pasta novinha em couro repousa um diploma já antigo e nunca mostrado, uma carteira profissional sem uma folha sequer assinada, experiência zero em quase tudo.
Segue.

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