Pular para o conteúdo principal

Ôrra meu!

Não sei se a Língua Portuguesa está se tornando de verdade “a última flor” ou se eu é que sou purista demais. Mas, o que estão fazendo com o idioma “de minha pátria, de minha pátria sem sapatos/ e sem meias pátria minha/ tão pobrinha” – como diria o Vinícius – é uma coisa de louco, ôrra meu!
Não vou dizer que todo professor de português fica danado da vida quando ouve e lê os absurdos, porque, infelizmente, alguns colegas derrapam nas coisas mais comuns (o tal de
a nível de pega e derruba muita gente). Quem faz da leitura uma dose diária melhor que qualquer lexotan fica paranóico quando presencia atos de verdadeiro vandalismo cometidos na língua. O vandalismo do muro às vezes escreve certo por linhas tortas. Em um muro está escrito em letras garrafais – como não poderia deixar de ser: “o verdadeiro governo assiste ao povo”! E não é que é mesmo! O verdadeiro governo está vendo o que se passa com o povo, mas não está dando a assistência necessária, quer dizer, o governo não assiste o povo – era isso que o grafiteiro queria dizer. Ato falho?
Estou quase sem tempo de ver televisão, mas lá por volta das dez, onze horas da noite existe um noticiário local que é um celeiro para qualquer professor. O tal é daqueles programas cuja pauta é recheada de casos policiais, entrevistas com populares no local da ocorrência, um repórter esbaforido literalmente correndo atrás da notícia. No calor da hora – que aqui na cidade é toda hora! – o camarada fala verdadeiras pérolas.
Outro dia ele noticiava a morte de um casal de namorados atingido pelo trem. Depois das locações, já terminando a matéria, ele solta: todos os moradores ficaram horrorizados com a grandeza desse acidente!!!! Grandeza, cara, grandeza! Se eu fosse parente dos infelizes tinha processado esse repórter por desrespeito à dor alheia. Antes ele já vaticinara com muita propriedade que “o homem e a mulher acabaram tendo morte fatal”. Estou curiosíssima para conhecer esse rapaz e perguntar-lhe qual morte não é fatal, pois é desse tipo que quero morrer.
Por sua vez, a apresentadora do programa não deixou por menos. Comentando essa mesma notícia, chamando a atenção para o perigo de uma via férrea em área urbana, apelando às pessoas terem cuidado, porque “mais vale perder um minuto na vida do que a vida num minuto”, ela concluiu dizendo que “é muito perigoso, mas no entanto é necessário redobrar os cuidados”!!!!!! Como se pode entender, ela provou que não vai admitir que um repórter erre mais que ela, ela tem que errar em grande estilo. Não só usou duas conjunções de mesmo sentido, como anulou completamente o significado da primeira oração, pois as conjunções têm valor de idéias contrárias, as famosas adversativas. Para ela dizer o que queria, bastava usar a conjunção aditiva e ou a conclusiva por isso (Em tempo: esse mesmo
por isso já causa sua própria confusão).
Depois de tantos assassinatos lingüísticos, a apresentadora transformou-se numa serial killer e atirou uma bala pleonástica: voltaremos depois de um pequeno breve intervalo!
O uso do gerúndio é outra praga junto a tantos outros descaminhos. Estou cansada de ouvir “a gente teria de estar atuando”, “não tinha como a gente estar trabalhando isso”, “nós enquanto educadores somos mal reconhecidos”, e uma expressão novíssima no embalo da exibição: você não está gestionando isso! Pelas caridades, essa doeu quando ouvi, porque a tal moça estava se referindo a uma forma de gestão.
É inadmissível que pessoas que usam o idioma como instrumento de trabalho não tenham a decência de falar corretamente. Não importa o nível de escolaridade do ouvinte. Falar corretamente não é falar difícil, usar um vocabulário incompreensível. A comunicação é importante, nem por isso se deve relaxar e ficar usando tá ligado? a torto e a direito, pensando que de outro modo não será entendido.
Contudo, melhor é ler sobre quem sabe escrever e ganha
prêmio por isso (ainda mais que estou falando de cria de casa, meu lado tia). Afinal, “esse é o menor dos maus causados” como me escreveu uma amiga inconformada por ter ouvido uma repórter usar maus e não males!
Fazer o quê, cidadão??????

Comentários

Anônimo disse…
A ultima flor... ficou lá do outro lado do atlantico e se não erro era "iculta e bela".
Presta atenção 'tia' que vc tbm pode achar alguma beleza nessa "nossa lingua brasileira" inculta e miscigenada.
Anônimo disse…
Estava navegando e por acaso achei este blog, adorei o que li não só pelo que vc diz mas a maneira inteligente e bem humorada como coloca suas idéias torna deliciosa a leitura. É importantissimo mesmo que jornalistas tenham mais respeito com o idioma que falamos.
Adorei o blog, virei sua fã.

Postagens mais visitadas deste blog

Bugol

  Nos idos dos anos 60, os Estados Unidos implementaram um programa de assistência aos países do terceiro mundo denominado de Aliança para o Progresso. Através dele, a população carente recebia alimentos para suprir as necessidades nutricionais, além de recursos financeiros para o desenvolvimento do estado, como casas populares, escolas. Dessa leva, em Natal se construíram o conjunto habitacional Cidade da Esperança e o Instituto de Educação Pte Kennedy, enquanto o navio Hope, ancorado no Porto na Ribeira, distribuía leite em pó e realizava tratamentos médicos e cirurgias que até então eram inacessíveis aos potiguares. O símbolo do programa era um aperto de mãos entre indivíduos, simbolicamente estadunidenses e latinos americanos. Os americanos não estavam preocupados altruisticamente em salvar populações da fome. Estavam muito mais interessados em fazer com que o comunismo não aportasse e conquistasse terrenos por essas bandas. Era o tempo da guerra fria, o mundo polari...

ReiNo TriVial?

  Tenho algumas lembranças do tempo de Faculdade quando cursava Licenciatura em Letras e tinha como disciplinas Literatura Brasileira e Estrangeira. As aulas eram no recém criado Campus da UFRN, o Setor II ainda sem as edificações vizinhas, constituindo-se em um quase deserto. Muitos dos professores eram recém chegados de Mestrados e Doutorados fora de Natal, alguns do exterior. O ensino era na base das aulas expositivas, seminários e ainda não era obrigatória a apresentação de trabalho final, TCC. Alguns deles marcaram minha trajetória acadêmica, embora não a profissional, pois esta só se firmou quando, pelas circunstâncias, precisei ingressar na função docente. A professora Jacirema da Cunha Tahim ensinava Teoria Literária e impossível não lembrar os contos de Clarice Lispector estudados. Daí a minha paixão pela escrita da autora, a lembrança mais resistente sendo o conto Tentação , de cujo início nunca esqueci: “Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das...

Ecce Homo

  Uma das passagens bíblicas mais conhecida, mesmo pelos que não professam a fé cristã, é a atitude de Pilatos em não assumir a liberdade de Jesus, preferindo entregar essa decisão ao povo, (difundido a expressão latina ecce homo – Eis o Homem) mesmo sabendo que Barrabás tinha crimes comprovados, enquanto Jesus, não. Não ter a coragem de decidir, pondo em risco sua posição diante dos superiores romanos, como também o medo da reação dos que apoiavam Jesus, preferindo demagogicamente levar o povo a acreditar que tinha o poder de decisão, o  fato é um exemplo poderoso do que a omissão, a fraqueza de uma pessoa pode provocar. Pilatos usou da tradição de se soltar um prisioneiro judeu no período que antecedia a páscoa, achou que o povo escolheria o criminoso confesso, ele ficando, portanto, bem com qualquer que fosse a decisão: cumpriria a lei condenando um criminoso, soltaria um inocente. Contrariando as expectativas de Pilatos, o povo decide por Barrabás, condenando Jesus. ...

De amOR e de temPO

    Ainda quando estudava o antigo ginasial, uma professora de Português, interessada em que os alunos gostassem de ler e apreciassem os clássicos, passou como tarefa de avaliação uma redação sobre o texto  AMOR MENINO par te II do Sermão do Mandato – mas isso só soube muito depois já na faculdade - do Pe. Antonio Vieira. Agora, imaginem a dificuldade de adolescentes nos idos final dos anos 60 em cumprir essa tarefa. O que sabíamos do amor? Nada. Do tempo muito menos. O amor era em preto e branco nas fotonovelas que eu comprava no sebo na banca da feira livre, hábito também o das minhas amigas com quem trocava livros e revistas, caso contrário não leríamos nada. Apesar dessas imagens de amor, não lembro se as conversas já rondavam assuntos de namoro, casamento. Acho que não, pois éramos àquela época imaturas para tais assuntos. O universo ainda girava em volta de livros, estudar para provas, sorvetes, ouvir música e meninos não faziam parte do grupo. Aliás, eram olhados...

SuSSuRRo

  A   mão corta a escuridão do quarto no afastar da cortina. A luz do poste lança sombras na parede. Sobre a cama uma indumentária de cigana a contempla. Não sabe como chegara ali.  Sonho.  Como sempre o relógio a acorda às 7 horas. E como de costume, pula da cama, termina de acordar sob o chuveiro, veste-se apressada, come alguma coisa, toma duas xícaras de café para acordar e sai. Não mais que 40 minutos se passara. Faz a maquiagem entre uma parada e outro nos sinais. Sons de buzina, freadas colaboram para o seu despertar. Depois de 40 minutos entre carros, 20 minutos dando voltas no quarteirão em busca de uma vaga, estaciona, desce do carro, bate a porta e caminha em direção ao prédio. Ao atravessar a rua, percebe que está sem bolsa. Assustada, pensa que foi assaltada, mas se dá conta que mal saíra do carro. Sem bolsa, o pensamento pula para a chave. Onde deixara? Dentro da bolsa, dentro do carro. Retorna. Porta destravada, pois a chave ficara na bolsa. No banco...

Vai de RetRO

Tem gente demais atrapalhando a vida de outros. Na hora de fazer o trabalho, não faz. Não sugere, não oferece críticas para melhorar.Trabalho realizado, concluído, fala. Reclama disso, desse, daquele e daquilo. O mar está todos os dias no mesmo lugar. As ondas vão e vêm. As fases da lua influem no movimento das ondas. Mas, as ondas não deixam de ir e vir. Seguem. Esperam que o mar continue favorecendo o movimento. Esperam que as areias se acomodem e se agitem no fundo do mar. Ou na praia. Esperar pelo outro é bobagem. O outro é o outro, sempre. Não se muda o mau caráter. O normal para ele é o de agitar a praia onde o outro se deita e se banha. Para ele é melhor enlamear a água, jogar areia e esperar a onda levar. De preferência para longe, para nunca mais. Não pensa que ele também é mar, é onda, é areia. Não pensa que um dia a maré não estará para tubarão, que ele pensa ser. Não se vê peixe em um grande cardume. O movimento do mar é inexorável. Nada para. Pode chover, pode fazer sol. M...