quarta-feira, dezembro 3

FaLtA de iDéiA

Eu gostaria de hoje ter chegado em casa com uma idéia quase acabada para aqui escrever. Há dias, muitos dias, que não escrevo. Não escrevo nada da minha cabeça, a não ser memorandos, ofícios, conclusões de análises de planilhas, letras burocráticas que não contém metáforas, poesia alguma.
Mas, a idéia não chegou comigo. São 21 horas e 23 minutos, fora do horário de verão, e não faz nem 30 minutos que cheguei em casa, pois hoje trabalhei até as 20 horas. Como já tinha jantado por lá mesmo, ao chegar tomei banho, comi uma goiaba e liguei o computador na vã esperança que de repente - como acontecido de outras vezes - a tal da inspiração começasse a me azucrinar o juízo, querendo pôr-se a descoberto. Qual o quê! Até agora só transpiração do baita calor que faz nesta Cidade do Sol.
Não tenho escrito, porém continuo lendo. Impregnada das letras de Mia Couto, fico mais apequinhada para escrever. O que será que se passa na cabeça dele especificamente ao escrever? Será que o livro se forma inteiro na cabeça ou vai se fazendo aos poucos, os personagens ganhando vida, ousando ter domínio sobre o escritor? Sei não.
Cada pessoa ao ler deixa o pensamento vagar de uma forma. Uns viajam nas paisagens descritas, visualizando espaços e personagens; outros imaginam formas de falar, os gestos dos personagens como se estes fossem pessoas que estivessem ali, postas bem a sua frente; alguns criam a realidade inteira, transpondo a ficção para o mundo real, ao ponto de se pegarem falando sozinhos, pensando no que leu como se tivesse de prosa com os personagens, até mesmo brigando com eles (às vezes até com o autor por ter "deixado" determinada coisa acontecer).
Os livros de Mia Couto suscitam essa capacidade de eu me ver ali no espaço e tempo dos personagens, visualizando-os naquelas situações, tentando compreender-lhes os sentidos que põem na vida. Neles residem uma procura contínua em manter a identidade em meio a tantas desilusões, destruições não só da terra, mas de um povo sofrido por tantas guerras. (Há no livro Terra Sonâmbula uma opinião sobre guerra, mas não vou me levantar para procurar - o livro não está aqui por perto - pois prefiro escrever de uma sentada só - literalmente).
Ao mesmo tempo que os livros desse moçambicano me fascinam pela capacidade lingüística, pela poesia que salta de sua prosa, pela consistência dos personagens bem criados, completamente verossímeis em suas ações e falas, também me inquietam por que não consigo apreender em sua totalidade a essência do povo que transita entre dois mundos, mistura de crendices (para nós) e racionalidades. Fico a imaginar o quanto há de ficção e de realidade naquilo que é contado.
E isto é que faz um livro ser um bom livro: o nos fazer pensar, inquietar-se à medida que se lê, quando ao terminá-lo ficamos com a sensação que aprendemos muito, que aqueles personagens não são meras invenções, mas gente que mora do outro lado do oceano.
Obs.: Obrigada a meu irmão e aos amigos do Errante por me apresentarem Mia Couto.


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