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Palavras, ó palavras

Esta é uma máxima contida no livro Ilusões de Richard Bach que li há 31 anos atrás. Pode? Tenho um tempo enorme de palavras a me perseguir!
O livro é uma espécie de Pequeno Príncipe, uma estória contada por um camarada que gosta de voar e um dia encontra um outro camarada que lhe dá alguns ensinamentos a conta gota para melhor encarar a vida. Pode-se dizer que o livro foi o precursor de tantos da linha auto-ajuda, os Paulo Coelhos & Cia ilimitada.
Gostei do livro à época e não posso negar que me ajudou bastante e às vezes ainda me pego repetindo alguns dos seus conselhos, mesmo que a vida vá nos mostrando que determinados aforismos não são tão certos, quer dizer, nem sempre servem quando chega a hora de a onça beber água. Como metáfora, é um exemplo ímpar de escrever para a multidão sedenta de palavras bonitas a serem gastas em conversa de bar.
O livro é semelhante aos inúmeros otimismos em gotas que tanto sucesso ainda fazem. O diferencial é que há uma preocupação em incutir no leitor uma fé, é necessário se ter uma fé para se viver, para os enfrentamentos diários de todos nós. E nisso ele não errou, mesmo que as palavras com açúcar sejam questionáveis.
Por exemplo: “Não existe um problema que não ofereça uma dádiva para você. Você procura os problemas porque precisa das dádivas por eles oferecidas.” Freud já dizia bem antes dele, mas sem a poesia. Outro: “Nunca lhe dão um desejo sem também lhe darem o poder de realizá-lo. Você pode ter de trabalhar por ele, porém.” Esse é ótimo para as pessoas que ficam sentadas vendo a banda passar, esperando que apareça alguém que lhe ofereça um emprego, uma solução para algum problema, que ficam de olhos postos no céu esperando a graça de Deus, quando do céu só cai chuva. Se tiverem coragem, movem-se e possivelmente aconteça uma mudança.
Mudar nunca é do dia pra noite (mas até que pode ser da noite pro dia, pois a noite sempre traz mistérios e revelações). É necessário saber compreender o tempo (ingrato), saber arregaçar as mangas (no calor, melhor camiseta regata), correr atrás do que se quer e não ficar ao Deus dará. Deus dará, se também nos dermos a determinação.
Ao ler o livro não se precisa ler mais nenhum dos tais que fazem sucesso por aí, pois se descobre que com algumas alterações de palavras, a idéia é a mesma. Na verdade, não sei bem porque livros de auto-ajuda fazem tanto sucesso, vendem tanto. Parece que as pessoas querem encontrar nas palavras dos outros o que deveriam encontrar em si mesmas, no silêncio que acompanha a reflexão. Ou, são jovens e querem experiência através dos feitos alheios; ou, são vividos (né cumadi?) e querem descobrir o algo mais para continuar.
Afinal, tudo está dentro de nós. Entretanto, palavras nunca são demais. Algumas hão de ficar e plantar-se, embora Cecília Meireles já pontificasse: "Não nascem lírios de lua pelos corações de pedra”!

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