terça-feira, setembro 25

Mata o papai

Dia desses, precisamente em 07 de setembro, sem ânimo e patriotismo para ver Parada Militar, fui com amigos comer ginga com tapioca na Redinha. E constatei o quanto praia é território livre e democrático.
Avessa à água, pra mim só a de chuveiro!, enquanto saboreava o par tapioca-ginga, observava o vai e vem da pequena multidão. Uma variedade de tons e sons me fazia pensar o quanto somos elitistas, o quanto o povo se contenta com pouco - ou pelo menos se diverte com pouco! Talvez não seja o caso de usar o verbo contentar-se, porque minha parca psicologia não inferia se havia contentamento de verdade, aquele contentamento que transborda e deixa uma sensação de felicidade quando tudo se acalma e o divertimento se vai - havia, sim, um contentamento instantâneo, inegável pelas risadas, cervejas, requebros.
E por que somos elitistas? Professor tem a mania de não se considerar povo. Povo é aquela pessoa que não é letrada - não que seja analfabeta, mas não alcançou o letramento conceituado por Magda Soares. A forma de lazer do povo é diferente da pequena burguesia ferrada que se acha! 
Confesso que na maioria das vezes também não me livro dos meus modos machadianos, de cortar carne colocando a faca na mão direita, de tomar vinho com água, mas não me envergonho de dizer que por esses dias tenho ouvido a trilha sonora das novelas Cheias de Charme e Avenida Brasil. Não que tenha comprado os cds ou que os escute diariamente. Faço (para ser pedante, poderia usar a forma "fá-lo", corretíssima!) para saber o que os jovens tanto curtem e porque o fazem.
Curtem porque as músicas são dançantes, pegajosas, têm refrões que não saem da cabeça. Poesia? Qual o quê! Que poesia há em "assim você mata o papai"? Há a realidade de um homem mais velho que quase morre ao se relacionar com uma jovem - tão comum em nossa realidade social. Que respeito há em "cachorro, perigoso, safado, carinhoso e pronto pra te dar amor, louco pra fazer amor"?  Há mulheres que não se importam se ele vive doido por um rabo de saia, desde que seja amante apaixonado.
Voltando à praia. Havia uma miscigenação de gente tão grande, que me alarmou. No meu mundo família - casa - trabalho - professores - leituras - internet não há visões de corpos magros, gordos, suados, celulites à mostra, pouca roupa, muito corpo, peles brancas, negras queimadas. As pessoas vão à praia de uma forma livre como não o são em nenhum outro lugar.
Não importa o corpo, importa usar a moda exibida pelo corpo magérrimo da modelo, da atriz que se pretende imitar - quer dizer, seguir. A própria vida é cinza em comparação as mostradas nas revistas, na tv e seja necessário fugir dela, também criando uma personagem, exibindo-a em praia - talvez a cor cinza seja apenas dada por mim pela minha soberana crítica à razão impura de uma professora pseudo intelectual e a um preconceito mal disfarçado.
Além de praia, somente ônibus é território livre, embora não tão democrático, porque quando se economiza, o primeiro bem a ser adquirido é um carro, muitas vezes antes de uma casa, apartamento. Como nem sempre sou igual a todo mundo, ando de ônibus todo santo dia e há muito desisti de comprar carro - garanto a vocês que por essas ruas, é melhor não ser motorista.
Entretanto, em que pese os pré e os conceitos, as pessoas precisam encontrar suas formas de lazer, de desenvolver a sua auto-estima. Todos nós temos o direito de gostar da música que quiser, ouvi-las, dançar, beber aguardente 51 ou licor 43. Não nos cabe desrespeitar alguém pelo seu gosto musical, por sua cor, raça - no máximo, rir de algumas cenas que vemos, e saber que alguém também rir de nós!


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