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La vérité

Ontem comprei o dvd de um filme lançado em 1957: Doze homens e uma sentença (com título em inglês bem sugestível à situação - 12 angry men), cuja sinopse é assim apresentada no site Cine Player: "Doze jurados devem decidir se um homem é culpado ou não de um assassinato, sob pena de morte. Onze têm plena certeza que ele é culpado, enquanto um não acredita em sua inocência, mas também não o acha culpado. Decidido a analisar novamente os fatos do caso, o jurado número 8 (Henry Fonda) não deve enfrentar apenas as dificuldades de interpretação dos fatos para achar a inocência do réu, mas também a má vontade e os rancores dos outros jurados, com vontade de irem embora logo para suas casas." Já tinha visto o filme há cerca de três anos e ficara fascinada com o jogo de possibilidades para um mesmo fato que um dos jurados, no caso o oitavo, interpretado por Henry Fonda, vai desmontando e reconstruindo à medida que põe em dúvida as conjecturas apresentadas pelos demais. Evidencia-se a ...

Panis et circenses

Velho, sobe as escadas com pés inchados de cansaço o segundo degrau depois do quinto. Arrasta-se ainda pelo corredor até a porta pintada de azul, extravagância da filha que queria um céu ao entrar. Dedos trêmulos mal conseguem colocar a chave. Ao abrir a porta, o assombro: toda a sala fora tomada por pombos que entraram pela janela. Com cuidado fecha a porta atrás de si. Na cozinha, coloca as compras sobre a mesa. Abre o armário e de lá retira o saco há tempo guardado e com ele à mão, puxa a poltrona até o umbral da janela, senta-se e sobre si derrama todo o milho. Agora é esperar que os pombos ergam-no. ****** O som da tv sai pela porta incomodando os outros que naquele corredor não ousam abrir as portas para reclamar. Dentro da sala, o som passa despercebido à mulher que de frente para a parede branca, vassoura à mão, bate freneticamente na teia que toma toda a parede agora já acinzentada pelos vários anos de umidade. Ela tem que limpar, arrancar aqueles fios que se entrelaçam ameaç...

METAmorfose

Passaram as bonecas. Passara o tempo das brincadeiras de roda, das estórias contadas à noite para dormir, aconchegando o sono, afugentando os medos disfarçados nos caçadores que salvam vovozinhas, a ilusão em príncipes que cavalgam cavalos em busca de princesas. Passara o medo de ir à escola, sentindo-se uma a mais em meio àqueles rostos às vezes amigos, às vezes ameaçadores na borracha e no lápis que tomam de vez, no beliscão escondido da professora aplicado selvagemente no braço. Chegara o tempo de descobrir nas pontas dos dedos a sensação de um prazer nunca falado, nem mesmo murmurado entre colegas, apenas adivinhado no barulho à noite quando acordada pensava que algum monstro assaltara os sonhos da mãe, pois a cama fazia aquele mesmo som quando nela pulava nas brincadeiras de pular e correr pela casa. Chegara o cheiro de um colega na escola, menino pouco maior que ela mesma, de cabelos pretos bem cortados. E aquele arrepio a que não sabia explicar se de frio ou de medo. Não podia s...

Comida caseira

Não dá para escrever por obrigação. Esse povo por aí que tem coluna em jornal, que tem que escrever um número X de laudas semanalmente, deve viver numa agonia danada ou tem um repertório inesgotável, tirando letras da cachola como mágico tira coelho da cartola! Pelas caridades! Possivelmente aí resida a diferença entre o amador – amante de letras – e o profissional. Como amadora, se as coisas não estão bem, a minha tendência é escrever letras garrafais de sangue e dor. Se estão, chega assim um tanto de inspiração e pode sair uma estória razoável, geralmente de um otimismo piegas. Se as coisas não estão bem nem mal, mas naquele patamar pasmaceiro, a preguiça manda copiar um texto de alguém, fazer uma produção caprichada e teclar OK. Não estou bem nem mal. Não estou com preguiça, embora dois textos pudessem ser colocados aqui (outra hora eles aparecerão, porque merecem ser lidos). Estou naquele limiar reflexivo que faz o sol ficar nublado e a chuva ficar quente. Nenhum dos dois estados m...

Entre Ser e o SeR

Todos os dias ao acordar, a angústia amenizada pelos dois lexotans tomados à noite volta com carga renovada assaltando-o de supetão. Parece uma mão empurrando-lhe peito adentro uma desesperança que no decorrer do dia quase não o deixa realizar as tarefas normais do trabalho, as conversas banais com os colegas. Sabe-se um homem antigo. Não de idade. Antigo por dentro como se nele vivessem todas as dores do mundo, além de suas próprias. Herança possível de um tempo adolescente quando vivia entre monges naquele casarão antigo e úmido, onde o pai lhe enfiara, tentando encaminhá-lo para viver sonhos que não eram os dele. Não teve voz. E até hoje duvida se tem alguma! A rotina entre preces e meditações fizera-lhe um jovem taciturno, não temeroso a Deus, mas verdadeiramente acovardado diante de uma figura barbuda, velha, sentada com um cajado à mão esquerda, julgando, julgando. (Muitos anos depois, ao ver em um livro o deus mitológico, viu que a figura correspondia exatamente à idéia que faz...

Por falta de aSSunTo

Quem se atreve a ler o que aqui escrevo muitas vezes se admira e me diz que tenho algum dom. Alguns acham que a inspiração mora ao lado e basta um estalar de dedos e SHAZAM!!!!!!. Quem dera! Essas letras contêm muito mais expiração do que inspiração. Desde o início da semana que fiquei pensando sobre o que escreveria. Qual estória contaria hoje. Na cabeça comecei várias e no meio dos ônibus atravessando a cidade elas se perderam, misturaram-se aos diversos papéis que pelas minhas mãos passaram - até mesmo a leitura de um livro me atrasou, ainda que tenha ficado tentada a escrever sobre ele! Uma das estórias poderia ter sido sobre alguns personagens de revistas em quadrinhos, pois eu e uma amiga conversávamos sobre a turma do Zé Colméia e ela me contava que tinha pena do Catatau, pois ele sempre pagava todos os micos, sendo apontando como responsável pelas espertezas do chefe em sua ânsia de levar vantagem em tudo. E olha que o Zé Colméia não foi uma criação baseada no brasileiro, mesmo...