terça-feira, abril 22

E por falar em saudade...

Há exatamente 28 anos entrava numa sala de aula pela primeira vez. As aulas do estágio não contam; contam esses anos que vivi rodeada de alunos a quem pude realmente chamar de meus alunos.
Como tudo que é novo, naquele dia tive medo. Não sabia o que encontraria e sentia que o aprendido na Universidade não seria bastante. Saber dá aula é completamente diferente do saber o que ensinar. Saber o que ensinar é indispensável, mas saber o como é uma aprendizagem que transcorre no decorrer do tempo, através dos acertos e dos erros cometidos. Na época eu sabia o que ensinar, não como deveria ensinar.
As teorias aprendidas eram palavras e palavras que não se aplicavam ali à frente daquele mundo de alunos, que, independente das idades, têm como passatempo predileto tirar o juízo do professor. E se vai tentanto: o bonzinho não dá certo, porque eles levam na bagunça; o tirano não dá certo porque eles fazem de tudo para sair da sala e tirar, no dizer deles, !a moral" do professor. A medida certa somente o tempo vai indicar e depende de cada um, de suas vivências e do quanto o professor gosta do que faz.
Eu adoro dá aula. Não há lugar onde eu me sinta tão bem quanto em uma sala de aula. Conversar, explicar, rir com os alunos, chamar atenção sem ser ditador, ouvi-los, responder o que perguntam, dizer que não sei, que vamos aprender juntos, às vezes consolá-los diante de um problema. Uma sala de aula é um caldeirão efervescente de vida, apesar do cansaço, do esforço na voz e na paciência.
Na ciranda da vida alguns deles se tornaram professores com quem tive o prazer de trabalhar. Alguns são advogados, médicos, comerciários, contadores, administradores; outros não continuaram os estudos; uns tantos são universitários, encontram empregos temporários, ficam sem emprego; algumas são mães em tempo integral. Não importa. Na sala de aula aprendi a respeitar as diferenças diante de universo tão dinâmico e ímpar. De muitos alunos fiz amigos que até hoje sentam e riem comigo, que me convidam até para ser madrinha dos filhos, quando eles próprios eram adolescentes há um tempo.
Alguns dos meus alunos se perderam, encaminharam-se para a marginalidade e é impossível não questionar sobre aquela lacuna de vida que a escola, a educação não preenche. Se ri com muitos deles, também chorei por muitos que partiram tão prematuramente. Eles me reconhecem pelas tantas broncas dadas na ânsia de ensinar-lhes responsabilidades e limites, mas também pelo carinho do abraço.
Há seis anos não tenho mais turmas sob minha responsabilidade, envolvida que fiquei em outras funções na escola. Mas não sentia tanto a falta da sala de aula propriamente porque não perdera os alunos, convivia com eles e, diretora, não perdi o hábito de me misturar, jogando conversa fora sentada no corredor, nos bancos.
Ser professor é apostar no futuro mesmo que tenhamos desilusões, que não vejamos a profissão sendo valorizada. Tive recompensas que foram além de qualquer salário, de qualquer política educacional. Quando comecei a trabalhar uma colega me disse que depois de dez anos eu já não estaria com tanto ânimo, que o trabalho já teria acabado comigo. Não acabou. O trabalho em escola é extenuante e saí dele para uma função mais burocrática num órgão central por crer que fiz a minha parte na escola, embora também o nível de stress estivesse me arrebentando. Não me arrependo.
Ainda digo que quem dá menos trabalho em escola é aluno, porque o seu comportamento, ou mal comportamento, é previsível, é da natureza do jovem querer o enfrentamento com os adultos. Seus comportamentos só me surpreenderam quando descobri em alguns (graças a Deus, poucos) um traço de crueldade que me atingiu duramente. Nem isso, no entanto, fizeram-me perder a fé.
Há duas semanas voltei a dar aula apenas nas sextas-feiras a uma turma de trinta alunos na Escola de Teatro recém inaugurada aqui em natal. E vejo nessas aulas o quanto sinto falta disso, desse dia-a-dia de aula, de alunos. Tenho saudade do meu tempo de professora, ainda mais que passei vinte e cinco anos em apenas uma escola. Lá vivi tudo que poderia aprender, aprendi mais com meus alunos do que eles aprenderam comigo e ainda não me acostumei a ficar longe.
**A foto dessa postagem é do pátio da escola por onde vaga meu coração.

3 comentários:

Anônimo disse...

E eu tive a sorte de ser sua aluna.
Boa sorte nesses novos caminhos. Aliás, quem sabe fazer, gosta do que faz e se dedica não precisa de sorte.
Obrigada por ter me ensinado tanto. Sinto saudades daquela primariedade, quando muito mais coisas eram novas. Hoje em dia, na vida de universidade, as coisas surpreendem menos. Muitas saudades daqueles tempos de ensino fundamental...e de sua companhia sincera, silente, falante, pensativa, reconfortante.
Felicidades.
P.S.: Olha só: perdi a oportunidade de ser sua aluna mais uma vez. Ia fazer o curso de teatro, mas fui chamada pra trabalhar em Macaíba. Que pena...Quem sabe um dia.
Abraço. Fica bem.

Fantasma disse...

Eu fico pensando que missão é esta dos professores... porque só pode ser isso. Missão associada a vício. E, se tantos passam pelas mãos destes anjos, como podem esquecer? Conveniência?

Anônimo disse...

Minha amada e inesquecível professora, diretora, chefinha, amiga, mãezona de todos nós que fazemos a Iapissara, vc está plantada não somente na história dessa escola, mas no coração de todos nós! Sou sua fã, viu? Beijos...