Pular para o conteúdo principal

E por falar em saudade...

Há exatamente 28 anos entrava numa sala de aula pela primeira vez. As aulas do estágio não contam; contam esses anos que vivi rodeada de alunos a quem pude realmente chamar de meus alunos.
Como tudo que é novo, naquele dia tive medo. Não sabia o que encontraria e sentia que o aprendido na Universidade não seria bastante. Saber dá aula é completamente diferente do saber o que ensinar. Saber o que ensinar é indispensável, mas saber o como é uma aprendizagem que transcorre no decorrer do tempo, através dos acertos e dos erros cometidos. Na época eu sabia o que ensinar, não como deveria ensinar.
As teorias aprendidas eram palavras e palavras que não se aplicavam ali à frente daquele mundo de alunos, que, independente das idades, têm como passatempo predileto tirar o juízo do professor. E se vai tentanto: o bonzinho não dá certo, porque eles levam na bagunça; o tirano não dá certo porque eles fazem de tudo para sair da sala e tirar, no dizer deles, !a moral" do professor. A medida certa somente o tempo vai indicar e depende de cada um, de suas vivências e do quanto o professor gosta do que faz.
Eu adoro dá aula. Não há lugar onde eu me sinta tão bem quanto em uma sala de aula. Conversar, explicar, rir com os alunos, chamar atenção sem ser ditador, ouvi-los, responder o que perguntam, dizer que não sei, que vamos aprender juntos, às vezes consolá-los diante de um problema. Uma sala de aula é um caldeirão efervescente de vida, apesar do cansaço, do esforço na voz e na paciência.
Na ciranda da vida alguns deles se tornaram professores com quem tive o prazer de trabalhar. Alguns são advogados, médicos, comerciários, contadores, administradores; outros não continuaram os estudos; uns tantos são universitários, encontram empregos temporários, ficam sem emprego; algumas são mães em tempo integral. Não importa. Na sala de aula aprendi a respeitar as diferenças diante de universo tão dinâmico e ímpar. De muitos alunos fiz amigos que até hoje sentam e riem comigo, que me convidam até para ser madrinha dos filhos, quando eles próprios eram adolescentes há um tempo.
Alguns dos meus alunos se perderam, encaminharam-se para a marginalidade e é impossível não questionar sobre aquela lacuna de vida que a escola, a educação não preenche. Se ri com muitos deles, também chorei por muitos que partiram tão prematuramente. Eles me reconhecem pelas tantas broncas dadas na ânsia de ensinar-lhes responsabilidades e limites, mas também pelo carinho do abraço.
Há seis anos não tenho mais turmas sob minha responsabilidade, envolvida que fiquei em outras funções na escola. Mas não sentia tanto a falta da sala de aula propriamente porque não perdera os alunos, convivia com eles e, diretora, não perdi o hábito de me misturar, jogando conversa fora sentada no corredor, nos bancos.
Ser professor é apostar no futuro mesmo que tenhamos desilusões, que não vejamos a profissão sendo valorizada. Tive recompensas que foram além de qualquer salário, de qualquer política educacional. Quando comecei a trabalhar uma colega me disse que depois de dez anos eu já não estaria com tanto ânimo, que o trabalho já teria acabado comigo. Não acabou. O trabalho em escola é extenuante e saí dele para uma função mais burocrática num órgão central por crer que fiz a minha parte na escola, embora também o nível de stress estivesse me arrebentando. Não me arrependo.
Ainda digo que quem dá menos trabalho em escola é aluno, porque o seu comportamento, ou mal comportamento, é previsível, é da natureza do jovem querer o enfrentamento com os adultos. Seus comportamentos só me surpreenderam quando descobri em alguns (graças a Deus, poucos) um traço de crueldade que me atingiu duramente. Nem isso, no entanto, fizeram-me perder a fé.
Há duas semanas voltei a dar aula apenas nas sextas-feiras a uma turma de trinta alunos na Escola de Teatro recém inaugurada aqui em natal. E vejo nessas aulas o quanto sinto falta disso, desse dia-a-dia de aula, de alunos. Tenho saudade do meu tempo de professora, ainda mais que passei vinte e cinco anos em apenas uma escola. Lá vivi tudo que poderia aprender, aprendi mais com meus alunos do que eles aprenderam comigo e ainda não me acostumei a ficar longe.
**A foto dessa postagem é do pátio da escola por onde vaga meu coração.

Comentários

Anônimo disse…
E eu tive a sorte de ser sua aluna.
Boa sorte nesses novos caminhos. Aliás, quem sabe fazer, gosta do que faz e se dedica não precisa de sorte.
Obrigada por ter me ensinado tanto. Sinto saudades daquela primariedade, quando muito mais coisas eram novas. Hoje em dia, na vida de universidade, as coisas surpreendem menos. Muitas saudades daqueles tempos de ensino fundamental...e de sua companhia sincera, silente, falante, pensativa, reconfortante.
Felicidades.
P.S.: Olha só: perdi a oportunidade de ser sua aluna mais uma vez. Ia fazer o curso de teatro, mas fui chamada pra trabalhar em Macaíba. Que pena...Quem sabe um dia.
Abraço. Fica bem.
Fantasma disse…
Eu fico pensando que missão é esta dos professores... porque só pode ser isso. Missão associada a vício. E, se tantos passam pelas mãos destes anjos, como podem esquecer? Conveniência?
Anônimo disse…
Minha amada e inesquecível professora, diretora, chefinha, amiga, mãezona de todos nós que fazemos a Iapissara, vc está plantada não somente na história dessa escola, mas no coração de todos nós! Sou sua fã, viu? Beijos...

Postagens mais visitadas deste blog

Bugol

  Nos idos dos anos 60, os Estados Unidos implementaram um programa de assistência aos países do terceiro mundo denominado de Aliança para o Progresso. Através dele, a população carente recebia alimentos para suprir as necessidades nutricionais, além de recursos financeiros para o desenvolvimento do estado, como casas populares, escolas. Dessa leva, em Natal se construíram o conjunto habitacional Cidade da Esperança e o Instituto de Educação Pte Kennedy, enquanto o navio Hope, ancorado no Porto na Ribeira, distribuía leite em pó e realizava tratamentos médicos e cirurgias que até então eram inacessíveis aos potiguares. O símbolo do programa era um aperto de mãos entre indivíduos, simbolicamente estadunidenses e latinos americanos. Os americanos não estavam preocupados altruisticamente em salvar populações da fome. Estavam muito mais interessados em fazer com que o comunismo não aportasse e conquistasse terrenos por essas bandas. Era o tempo da guerra fria, o mundo polari...

De amOR e de temPO

    Ainda quando estudava o antigo ginasial, uma professora de Português, interessada em que os alunos gostassem de ler e apreciassem os clássicos, passou como tarefa de avaliação uma redação sobre o texto  AMOR MENINO par te II do Sermão do Mandato – mas isso só soube muito depois já na faculdade - do Pe. Antonio Vieira. Agora, imaginem a dificuldade de adolescentes nos idos final dos anos 60 em cumprir essa tarefa. O que sabíamos do amor? Nada. Do tempo muito menos. O amor era em preto e branco nas fotonovelas que eu comprava no sebo na banca da feira livre, hábito também o das minhas amigas com quem trocava livros e revistas, caso contrário não leríamos nada. Apesar dessas imagens de amor, não lembro se as conversas já rondavam assuntos de namoro, casamento. Acho que não, pois éramos àquela época imaturas para tais assuntos. O universo ainda girava em volta de livros, estudar para provas, sorvetes, ouvir música e meninos não faziam parte do grupo. Aliás, eram olhados...

Êh, vida de gado!

Não sei a quantos anos li A Face Oculta de Eva, livro da egípcia Nawal El Saadawi , que falava sobre a situação feminina na Índia, no Egito e em alguns países africanos, principalmente à operação para que das mulheres fosse negado o prazer sexual através da mutilação do clitóris. Prática ainda hoje em voga apesar de tanto conhecimento, tecnologia e da eficiente medicina do nosso tão exaltado século XXI . O livro foi editado no início dos anos 70 e devo ter lido na mesma década. E já naqueles anos fiquei indignada por tal prática acontecer com a decantada liberação feminina em efervescência. No início desse ano li Uma Distância entre nós, da jornalista indiana Thrity Umrigar e, por razões só um pouquinho diferentes, também fiquei indignada. Neste não há mulher sendo mutilada, mas o poder do macho é alarmantemente respeitado, esteja sua conduta certa ou errada. Para completar, li hoje (lá no salão, que é onde encontramos revistas vencidas e completamente dispensáveis) na revista Elle ...

CriAnÇa teM caDa Uma

Ontem em almoço com familiares, minha mãe relembrava a vez que o neto prendera a cabeça entre um cano de orelhão e a parede. Nem ele nem ela lembraram que idade ele tinha, mas ela lembrava como torceu e torceu a cabeça dele para sair daquele sufoco – literal pode se dizer! – e que já estava pensando em chamar o bombeiro para serrar o cano. Nas festas natalinas do ano passado, a filha de uma amiga de uma amiga, sentou-se no colo de Papai Noel lá no Midway e pediu uma bicicleta. O Papai Noel, sem saber das intenções da mãe – principalmente suas condições financeiras – disse para a garota de três anos que talvez ela não ganhasse o que estava pedindo, porque ele tinha muitos pedidos para atender, mas que ela não ficasse triste. Ela ganharia algo, mas ele não tinha certeza que seria uma bicicleta. A garota ouviu, não disse nada, levantou-se e caminhou em direção à mãe. A uma boa distância do Papai Noel virou-se e mandou: - Papai Noel, se você não mandar minha bicicleta, você tá fudido!!! ...

Ecce Homo

  Uma das passagens bíblicas mais conhecida, mesmo pelos que não professam a fé cristã, é a atitude de Pilatos em não assumir a liberdade de Jesus, preferindo entregar essa decisão ao povo, (difundido a expressão latina ecce homo – Eis o Homem) mesmo sabendo que Barrabás tinha crimes comprovados, enquanto Jesus, não. Não ter a coragem de decidir, pondo em risco sua posição diante dos superiores romanos, como também o medo da reação dos que apoiavam Jesus, preferindo demagogicamente levar o povo a acreditar que tinha o poder de decisão, o  fato é um exemplo poderoso do que a omissão, a fraqueza de uma pessoa pode provocar. Pilatos usou da tradição de se soltar um prisioneiro judeu no período que antecedia a páscoa, achou que o povo escolheria o criminoso confesso, ele ficando, portanto, bem com qualquer que fosse a decisão: cumpriria a lei condenando um criminoso, soltaria um inocente. Contrariando as expectativas de Pilatos, o povo decide por Barrabás, condenando Jesus. ...

SuSSuRRo

  A   mão corta a escuridão do quarto no afastar da cortina. A luz do poste lança sombras na parede. Sobre a cama uma indumentária de cigana a contempla. Não sabe como chegara ali.  Sonho.  Como sempre o relógio a acorda às 7 horas. E como de costume, pula da cama, termina de acordar sob o chuveiro, veste-se apressada, come alguma coisa, toma duas xícaras de café para acordar e sai. Não mais que 40 minutos se passara. Faz a maquiagem entre uma parada e outro nos sinais. Sons de buzina, freadas colaboram para o seu despertar. Depois de 40 minutos entre carros, 20 minutos dando voltas no quarteirão em busca de uma vaga, estaciona, desce do carro, bate a porta e caminha em direção ao prédio. Ao atravessar a rua, percebe que está sem bolsa. Assustada, pensa que foi assaltada, mas se dá conta que mal saíra do carro. Sem bolsa, o pensamento pula para a chave. Onde deixara? Dentro da bolsa, dentro do carro. Retorna. Porta destravada, pois a chave ficara na bolsa. No banco...