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Gira mundo

Ao acessar hoje a página da UOL, deparo-me com as fotos dando conta que os israelenses pararam durante dois minutos em respeito aos seis milhões de judeus mortos durante a Segunda Guerra. É o dia da Shoah.
Então, lembrei-me de dois livros lidos há pouco tempo, os dois transformados em filmes, embora só tenha assistido a um deles até agora. Vi O leitor e espero ver O Menino do Pijama Listrado. Ambos abordam o lado germânico da questão sob prismas diferentes. O primeiro no contacto que um adolescente alemão tem com uma mulher mais velha que ele, de quem se torna amante, e que anos depois a vê sentada no banco dos réus como ex-guarda da SS, acusada de participar da morte de várias mulheres judias, presas durante um incêndio em uma igreja. No segundo, um relato emocionante, ingênuo de um garoto, cujo pai leva toda a família para um campo de concentração, analogia a Auschwitz, pelo som do nome, onde será o comandante. Pela janela do quarto, o garoto vê os prisioneiros com seus uniformes listrados e cinzentos e explorando o lugar por entre a cerca encontra um garoto judeu com quem trava amizade.
Israel não esconde suas dores, suas feridas abertas, a morte de judeus durante qualquer período na história mundial. Pelo contrário, faz disso o seu libelo, anunciando para que não volte a acontecer, enquanto sitia, ataca e mata palestinos ou qualquer outros que sejam ameaças ao país e seu povo. Longe de mim, discutir a questão palestina X israelenses porque nisso vai muito mais do que é capaz minha pouca compreensão da política. Eu só ainda não sei se tanta dor e perseguição dão direito ao povo israelense de ir tanto à briga, embora seja difícil não ter empatia por um povo que ao longo da história sofreu tantas perseguições.
Se Israel é o povo escolhido – o próprio nome Israel significa em hebraico aquele que luta com Deus – há muito o que pensar se essa escolha lhe dá direito a lutar até a morte para ter seus direitos respeitados, desrespeitando, por sua vez, os direitos dos outros. No seu blog, numa postagem do mês de fevereiro,
Saramago tece uma crítica veroz a Israel – em que não está sozinho, pois grande parte do mundo condena essa atitude de Israel para com os palestinos.
Voltando aos livros - tema mais bem seguro que a política.

O Leitor é um livro de fácil leitura pelas poucas páginas que tem - apenas 238 - mas que nos leva a pensar como a doutrina hitleriana foi forte ao ponto de não deixar em seus seguidores - notadamente nos que praticaram atos violentos - quase nada de culpa. Havia uma tarefa a ser feita, alguém precisava fazer. Pronto. Ponto. Não havia o quê questionar. Fora do trabalho, havia pessoas normais, que amavam, choravam, sofriam. E é nisso que reside a força do livro, deixada à mostra fabulosamente na interpretação de Ralph Fiennes e Kate Winslet no filme, por mostrar que para os alemães a guerra em sua perseguição aos judeus ainda é um fato dolorido, de difícil superação, mesmo quando há amor entre as pessoas.
O Menino do Pijama Listrado tem um final sensivelmente triste e deixa a marca da inquietação: o que se faz a outrem pode num segundo suceder a nós mesmos. Uma lição que esquecemos com frequência, seja como indivíduos ou como governos. Se crescéssemos com a atitude franca de amizade que as crianças têm, seríamos mais tolerantes com as diferenças, não teríamos tanta ânsia de poder. Mas, isso é uma utopia. Desde que o mundo é mundo que os povos brigam e pela vontade de serem mais fortes encontram qualquer motivo para disputas.

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