Pular para o conteúdo principal

Lição de casa

Vinte e cinco anos passei trabalhando em um mesmo lugar, na mesma escola. Para ser exata, foram 9.484 dias de serviço, segundo está escrito na placa que a mim foi dada pela atual direção da Escola, quando de lá saí. Passei metade da minha vida na Escola Mun. Iapissara Aguiar. Saí da escola há dois anos e a escola ainda não saiu de mim.
Não sei se algum dia sairá. Acho que não. Acho que ela sairá de mim quando em mim não restar memórias e ainda assim temo que ela será uma das lembranças que se misturarão ao turbilhão de imagens provocado pela velhice. Eu espero envelhecer.
Escrevo isso hoje, porque fui na página do Orkut de uma aluna que hoje aniversaria e em uma das fotos em seu álbum ela está com uns colegas sentada sobre a mesa do refeitório, os pés sobre o banco, um colega sentado adequadamente no banco. E lágrimas me vieram quando li a legenda posta na foto: saudades. Ela sente saudades dos colegas e do tempo que passou lá naquela escola. Eu também.
Não sei se o que me faz sentir saudades e chorar é o espaço físico da escola que vi crescer, a falta da balbúrdia que toda escola tem e não é mais do que vida, se é a falta do convívio com os amigos que fiz por lá. Desses, alguns ainda me acompanham onde for, onde estou, cimentam a amizade que lá nasceu. Possivelmente, choro sentindo falta de mim, da professora idealista que um dia chegou acreditando mudar o mundo. O mundo eu não mudei, mas tenho consciência que mudei alguns alunos e mais consciência ainda de que eles me fizeram mudar.
Aprendi com eles, e nunca deixarei de reconhecer isso, muito mais do que fui capaz de ensinar-lhes. Alguns quando me encontram me agradecem até mesmo pelas reprimendas, pelos "castigos" (castigo maior era chamar a mãe e dizer do comportamento, até que eles me ensinaram que o melhor seria conversar e com eles mesmos negociar uma mudança, fazendo-os reconhecer o erro, "pagar" pelo mal feito).
Não me perguntem se tinha uma linha construtivista, piagetiana, ou de algum outro teórico. Tinha apenas a clara noção que se deve ensinar responsabilidade, que a vida não é fácil, que pagamos um preço por tudo, sejam nossos acertos e/ou erros, mas nem por isso a vida precisa ser só dever de casa, brincadeira, tirar dez. Pode-se sim, tirar somente a média para passar, pode-se brincar, "ficar" com alguém nos bancos da escola sem necessidade do escurinho do muro. Pode-se achar a escola um lugar bom onde também se estuda. Também, porque alguns alunos acham que escola é lugar pra tudo, menos pra estudar!
Vez em quando vou lá. Sou recebida muito bem, festejam-me e é bom. Mas, paro e contemplo as árvores que plantei, (das que encontrei lá há vinte e sete anos atrás, não resta nenhuma) e vejo, sinto que não é a mesma coisa. Poucas vezes voltei ao turno vespertino, que foi sempre o meu xodó, pois nele fui professora, coordenadora antes de ser diretora. As minhas maiores lembranças estão naquele horário das 13 às 17:30, antes até 17, 18 horas, começando mais cedo, mais tarde. Não tenho coragem de enfrentar o entardecer sentada em dos bancos olhando a quadra se encher de alunos para mais um treino, alunos sentados nos bancos fazendo hora pra ir embora, correndo, fazendo "arte".
Também me aborreci lá. Muitas vezes. Dores menores, maiores, de todas as cores e faces. Fui desrespeitada, ignorada, agredida na minha integridade, pessoas me decepcionaram, feriram-me profundamente. Tão profundamente que ainda lembro da dor, embora os detalhes já apareçam nublados. Muitas vezes chorei, quis sair e não voltar e voltava. Até que saí de vez.
Saí acreditando no que fazia, saí pelo esgotamento físico e emocional de lidar com coisas e pessoas que andavam e davam voltas, a impressão que nada mais valia ser feito. Era a hora de deixar para outros a tarefa, deixar a alguns, especialmente, a brecha que tanto reclamavam para respirar sem ter uma "autoridade". O tempo, senhor de todos os males e bens, dirá a resposta. A mim, ele já me disse e diz que o poeta tinha razão: "Quem quer passar além da dor, tem que passar além do Bojador. Valeu a pena? Tudo vale a pena quando a alma não é pequena".


Comentários

Anônimo disse…
Querida e inesquecível Chefinha, foi pouco tempo que trabalhamos juntas, mas nesse pequeno período, tive o privilégio de conhecê-la de perto. Admiro-a por tudo! O seu grande coração materno nos faz sentir protegidos pela "mãezona" que você pode até jurar que nunca foi. Eu a vejo como um exemplo a ser seguido.
O Iapissara segue, da maneira que é possível, mas muitos, sem nunca esquecer que há dois períodos distintamente marcados: antes e depois de você. Se sentes saudades, nós também, com todas as tuas lembranças. Todas as árvores que deixaste continuam por lá, amenizando o calor quase insuportável, por algumas vezes, daquelas salas e corredores. MUITO OBRIGADA POR TUDO!!!
Beijos

Aldeise Barroso
Eva disse…
As experiências são diferentes, cada qual tem sua história, mas uma coisa não varia: existem muitas histórias, um mundo de experimentos, coisas marcadas em nós, que agora compõem-nos na estrutura. Coisas do Iapissara. Só quem viveu sabe.
Saudades imensas. Gratidão idem.
Digo que sou honrada por ter estudado ali. Quando voltei, das raras vezes em que foi possível, as lágrimas já não rolaram, mas ensaiaram ainda um quê de nostalgia.
Coisas da vida que vai e da gente que vai atrás.
Abraços. Felicidades, amiga.

Postagens mais visitadas deste blog

Bugol

  Nos idos dos anos 60, os Estados Unidos implementaram um programa de assistência aos países do terceiro mundo denominado de Aliança para o Progresso. Através dele, a população carente recebia alimentos para suprir as necessidades nutricionais, além de recursos financeiros para o desenvolvimento do estado, como casas populares, escolas. Dessa leva, em Natal se construíram o conjunto habitacional Cidade da Esperança e o Instituto de Educação Pte Kennedy, enquanto o navio Hope, ancorado no Porto na Ribeira, distribuía leite em pó e realizava tratamentos médicos e cirurgias que até então eram inacessíveis aos potiguares. O símbolo do programa era um aperto de mãos entre indivíduos, simbolicamente estadunidenses e latinos americanos. Os americanos não estavam preocupados altruisticamente em salvar populações da fome. Estavam muito mais interessados em fazer com que o comunismo não aportasse e conquistasse terrenos por essas bandas. Era o tempo da guerra fria, o mundo polari...

De amOR e de temPO

    Ainda quando estudava o antigo ginasial, uma professora de Português, interessada em que os alunos gostassem de ler e apreciassem os clássicos, passou como tarefa de avaliação uma redação sobre o texto  AMOR MENINO par te II do Sermão do Mandato – mas isso só soube muito depois já na faculdade - do Pe. Antonio Vieira. Agora, imaginem a dificuldade de adolescentes nos idos final dos anos 60 em cumprir essa tarefa. O que sabíamos do amor? Nada. Do tempo muito menos. O amor era em preto e branco nas fotonovelas que eu comprava no sebo na banca da feira livre, hábito também o das minhas amigas com quem trocava livros e revistas, caso contrário não leríamos nada. Apesar dessas imagens de amor, não lembro se as conversas já rondavam assuntos de namoro, casamento. Acho que não, pois éramos àquela época imaturas para tais assuntos. O universo ainda girava em volta de livros, estudar para provas, sorvetes, ouvir música e meninos não faziam parte do grupo. Aliás, eram olhados...

Êh, vida de gado!

Não sei a quantos anos li A Face Oculta de Eva, livro da egípcia Nawal El Saadawi , que falava sobre a situação feminina na Índia, no Egito e em alguns países africanos, principalmente à operação para que das mulheres fosse negado o prazer sexual através da mutilação do clitóris. Prática ainda hoje em voga apesar de tanto conhecimento, tecnologia e da eficiente medicina do nosso tão exaltado século XXI . O livro foi editado no início dos anos 70 e devo ter lido na mesma década. E já naqueles anos fiquei indignada por tal prática acontecer com a decantada liberação feminina em efervescência. No início desse ano li Uma Distância entre nós, da jornalista indiana Thrity Umrigar e, por razões só um pouquinho diferentes, também fiquei indignada. Neste não há mulher sendo mutilada, mas o poder do macho é alarmantemente respeitado, esteja sua conduta certa ou errada. Para completar, li hoje (lá no salão, que é onde encontramos revistas vencidas e completamente dispensáveis) na revista Elle ...

CriAnÇa teM caDa Uma

Ontem em almoço com familiares, minha mãe relembrava a vez que o neto prendera a cabeça entre um cano de orelhão e a parede. Nem ele nem ela lembraram que idade ele tinha, mas ela lembrava como torceu e torceu a cabeça dele para sair daquele sufoco – literal pode se dizer! – e que já estava pensando em chamar o bombeiro para serrar o cano. Nas festas natalinas do ano passado, a filha de uma amiga de uma amiga, sentou-se no colo de Papai Noel lá no Midway e pediu uma bicicleta. O Papai Noel, sem saber das intenções da mãe – principalmente suas condições financeiras – disse para a garota de três anos que talvez ela não ganhasse o que estava pedindo, porque ele tinha muitos pedidos para atender, mas que ela não ficasse triste. Ela ganharia algo, mas ele não tinha certeza que seria uma bicicleta. A garota ouviu, não disse nada, levantou-se e caminhou em direção à mãe. A uma boa distância do Papai Noel virou-se e mandou: - Papai Noel, se você não mandar minha bicicleta, você tá fudido!!! ...

Ecce Homo

  Uma das passagens bíblicas mais conhecida, mesmo pelos que não professam a fé cristã, é a atitude de Pilatos em não assumir a liberdade de Jesus, preferindo entregar essa decisão ao povo, (difundido a expressão latina ecce homo – Eis o Homem) mesmo sabendo que Barrabás tinha crimes comprovados, enquanto Jesus, não. Não ter a coragem de decidir, pondo em risco sua posição diante dos superiores romanos, como também o medo da reação dos que apoiavam Jesus, preferindo demagogicamente levar o povo a acreditar que tinha o poder de decisão, o  fato é um exemplo poderoso do que a omissão, a fraqueza de uma pessoa pode provocar. Pilatos usou da tradição de se soltar um prisioneiro judeu no período que antecedia a páscoa, achou que o povo escolheria o criminoso confesso, ele ficando, portanto, bem com qualquer que fosse a decisão: cumpriria a lei condenando um criminoso, soltaria um inocente. Contrariando as expectativas de Pilatos, o povo decide por Barrabás, condenando Jesus. ...

SuSSuRRo

  A   mão corta a escuridão do quarto no afastar da cortina. A luz do poste lança sombras na parede. Sobre a cama uma indumentária de cigana a contempla. Não sabe como chegara ali.  Sonho.  Como sempre o relógio a acorda às 7 horas. E como de costume, pula da cama, termina de acordar sob o chuveiro, veste-se apressada, come alguma coisa, toma duas xícaras de café para acordar e sai. Não mais que 40 minutos se passara. Faz a maquiagem entre uma parada e outro nos sinais. Sons de buzina, freadas colaboram para o seu despertar. Depois de 40 minutos entre carros, 20 minutos dando voltas no quarteirão em busca de uma vaga, estaciona, desce do carro, bate a porta e caminha em direção ao prédio. Ao atravessar a rua, percebe que está sem bolsa. Assustada, pensa que foi assaltada, mas se dá conta que mal saíra do carro. Sem bolsa, o pensamento pula para a chave. Onde deixara? Dentro da bolsa, dentro do carro. Retorna. Porta destravada, pois a chave ficara na bolsa. No banco...