sábado, janeiro 6

Dançando na vida

Ultimamente, filmes animados estão sendo produzidos com melhor qualidade e quase sempre com um formato meio fábula, aquela historinha que nos contavam anos atrás e que obrigatoriamente ao final tinha uma moral. Se os pais forem bem atentos aprendem muito mais do que as crianças assistindo os tais filmes.
A bola da vez é Happy Feet. Na onda do filme documentário A Marcha dos Pingüins, lançado em 2005 e dirigido por Luc Jacquet, o filme mostra o dilema de um filhote de pingüim que nasce sapateando para desespero dos pais que já se mostram preocupados – pais têm a capacidade de projetar as preocupações para um tempo futuro infindo: o bebê acaba de pôr a boca no mundo e os camaradas já estão preocupados se ele vai ser médico ou pedreiro!
Para os pingüins imperadores é crucial saber cantar, porque se não, nada de acasalamento. Pingüim solteirão nem pensar – se for dançarino, levando pecha de "frutinha" é morte certa (pelo menos pros pais!).
Nessa fábula, o que podemos observar é a discriminação correndo solta desde o momento em que o pingo de gente – quer dizer: o pingo de pingüim – sai da barriga da mamãe - quer dizer: sai do ovo.
Nesse sentido, falham todas as instituições que a priori deveriam dar sustentação psico-afetivo-social ao indivíduo que não apresenta aquilo que está previamente estabelecido como "normal". A própria família se sente ultrajada pela diferença apresentada pelo pimpolho: ora, acha-se culpada por aquele "erro"; ora, envergonha-se do comportamento do filho, pedindo-lhe que seja diferente em nome da moral e dos bons costumes. A escola, coitada!, que mal sabe lidar com os "normais", depara-se com um aluno com uma habilidade diferente daquela que ensinaram a professora a como cuidar. Aí, a solução é tirar o "pingüim" da sala, pois a continuar ali ele vai corromper os demais. Se todo mundo em vez de aprender aula de canto, aprender a sapatear, o que será do mundo gelado da Antártida, o que será desse lindo e pobre país, cuja cor hoje é mais amarelo de vergonha do que verde de esperança?
A comunidade, através do líder, velho sábio e velho, ordena (os pais se calam e se curvam!) que o indivíduo procure sua turma. Para variar, a turma encontrada é de caribenhos cantantes, mui malandros, para quem o sapateador é um astro.
Agora vejam bem: uma criança, um jovem, seja lá que idade tenha: uma pessoa. Uma pessoa tem uma habilidade, um jeito de ser diferente da grande maioria e pela incompreensão é posta a correr em busca da sua turma. Como se pode ir em busca de uma turma, quando não se foi ainda em busca de si mesmo? Como ir em busca de si mesmo se todos os referenciais que deveriam estar ali foram subitamente, traiçoeiramente retirados, deixando-lhe sem prumo? A turma encontrada é sempre a turma errada, lógico!
O sujeito discriminado – qualquer que seja o tipo de discriminação - só sobrevive se encontrar a si próprio antes que o mundo lhe esmague, porque para os diferentes o mundo cumpre muito bem essa função: não existe metamorfose kafkiana (recolher-se ao seu interior) que dê jeito, não existe metáfora que anule as dores sentidas por quem é incompreendido no seu jeito de ser, não existe sinfonia de Mozart que cale as piadinhas maldosas, não há Lexotan que aplaque a dor da mão sobre o ombro num afago falso de compreensão.
E olha que não estamos falando da falta de caráter, de má índole, de bandidismo. Estamos falando de pessoas do bem que se vêem às voltas com esse tipo de atitude. Os que apontam o dedo, donos absolutos da verdade, subvertem a imagem do Criador dando vida a Adão tão bem representada na pintura de Michelangelo. Filhos do Dono do Mundo acham-se donos dos destinos das pessoas que dizem amar, querem moldar-lhes o jeito – que não mata ninguém, nem rouba nada! – ao que acreditam ser a melhor forma de viver.
Não existe fórmula para o viver. Viver só se aprende vivendo!
"É por isso que aqui não faço nada,/a não ser aprender, porque é preciso,/(já algo consigo) a ler na escuridão." (Tiago de Mello).

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