sábado, fevereiro 24

Fiat lux

Precisamente na noite de quarta-feira de cinzas faltou energia aqui no bairro. Se minha avó materna fosse viva diria que era castigo de Deus pelos excessos carnavalescos! (Será que foi?)
Sem computador, sem ler, sem tv, fiquei pensando como seria o mundo sem a eletricidade.
Sem eletricidade o que estou fazendo agora seria impossível. A fruta que rapidamente transformo em suco no liqüidificador e ponho para gelar na geladeira não seria possível. A música que ouço no cd player e mesmo no interior do carro não seria executada. Leria, dormiria a luz de vela. Nos dias frios, meu chuveiro não me daria nem uma nesga de água deliciosamente morna. O porteiro eletrônico do prédio não funcionaria (o que no meu caso não faria muita diferença, pois o existente aqui fica muito tempo quebrado!). Engomar seria uma das tarefas mais árduas de qualquer mulher (a maioria dos homens ainda continua sem ter esse "prazer"). As agonias das novelas não seriam sentidas por milhares de mortais por esse Brasil a fora, que também não veriam seus jogos nem seus "inesquecíveis" BBB!
E não falo da falta de eletricidade só por dizer, pois na minha infância, ao viajar ao interior do Estado, ficava na casa dos meus tios onde não tinha eletricidade. Poucas casas na cidade tinha, mas a dele não era uma dessas. Bebia uma água fria na quartinha, tomava banho de manhã com água de doer na pele de tão gelada, o fogão à lenha dominava um grande espaço na cozinha e não havia nada melhor do que uma carne de sol na brasa! Para se fazer um suco deixava-se a fruta de molho para depois passá-la pacientemente por uma peneira (E nisso se comia ou chupava-se mais fruta do que se tomava suco, porque dava muito trabalho fazê-lo). Ler só de dia, porque não se podia gastar querosene nas lamparinas com esse tipo de coisa. O ferro de passar roupa pesava uma tonelada e irradiava um calor de matar, necessitando vezes sem conta de ter sua tampa levantada para ali se colocar carvão. (Acho que vem daí meu horror de engomar roupa mesmo com as facilidades modernas, meu inconsciente deve ainda sentir aquele calorão e as recomendações de passar por longe. Ai de nós se uma brasa caísse queimando-nos!).
Na falta da televisão, sentava-se nas calçadas para conversar até o sono chegar. Uma das distrações era contar estórias de trancoso e olhar para o céu e tentar contar as estrelas. Coisa besta, né? É, hoje parece tudo uma grande besteira, uma ignorância, mas como diz Afonso Romano de Sant'Anna no poema Carta aos Mortos (a mim gentilmente enviado por um amigo virtual):

"Nada mudou em essência.
Cantamos parabéns nas festas
Discutimos futebol nas esquinas
Morremos em estúpidos acidentes
E volta e meia
um de nós olha o céu quando estrelado
com o mesmo pasmo das cavernas.
E cada geração, insolente
continua a achar
que vive no ápice da história."
PS: A postagem de hoje vai especialmente a dois amigos. A Carlos, recifense, por me mandar o poema que tão bem me serviu; a Rooney com quem divido brincadeiras e linguajares da minha pouca vida interiorana. Abraço a ambos.

Um comentário:

Rafael disse...

As vezes é necesario acontecer uma falta de energia como essa pra as pessoas poderem darem valor as pequenas coisas da vida, pequenos prazeres que pouco a pouco vem sendo esquecidos e renegados, pois é esse é o ser humano ao qual estamos acostumados a ser[ou não?!], salva raras exceções.