Pular para o conteúdo principal

CRIsto e CRIanças amarELAS

Trechos do livro O Assassinato de Cristo escrito por Wilhelm Reich e publicado em 1953 (p. 9, 2ª ed. brasileira, julho/1983, Martins fontes):
***"Numa reunião de educadores orgonômicos que houve há alguns anos, foi dito que a educação continuará sendo um problema por alguns séculos ainda. É mais do que provável que as próximas gerações das Crianças do Futuro não serão capazes de resistir aos múltiplos impactos da peste emocional. Elas certamente teriam que se submeter; não sabemos exatamente como. Mas há esperança de que pouco a pouco uma consciência geral da Vida se desenvolva nesse novo tipo de crianças, difundindo-se por toda a comunidade humana. O educador que considera a educação como um negócio rendoso, nunca se interessaria pela educação se acreditasse nisso. Devemos ter cuidado com essa espécie de educadores."
O que estaria dizendo hoje Mr. Reich, passados 53 anos de sua obra, quando ele já apregoava que "o grande problema da Vida e da origem da Vida é um problema psiquiátrico; é um problema da estrutura do caráter do Homem,..." (p.5) se presenciasse que a esperança vive fase terminal nas unidades de terapia intensiva espalhadas em todas as escolas?
A educação se transformou num negócio rendoso para muitos. E não é somente uma renda tributária, contada em notas novinhas daqueles que criam organizações lucrativas. A educação é um negócio rendoso na prática político-administrativa que se expandiu num sistema que a cada dia é mais desacreditado por todos. Pode dá votos quando se atrela miséria à promessa de favorecer uma melhor educação; pode dar prestígio quando se discursa em defesa da valorização do magistério; pode dar vitrine nas obras tão grandiosamente inauguradas!
Os resultados pífios conseguidos na área educacional comparando-se nossa prática com a de outros países são vergonhosamente vergonhosos - em que pese à redundância! E, mesmo que a ponta mais visível do processo seja o professor - tão crucificado por muitos! - há muitas figuras e circunstâncias fazendo o circo pegar fogo.
Há uma peste emocional vitimando de forma endêmica nossas crianças. Muitas são deixadas nas escolas para que lá consigam uma formação que muitas vezes não conseguem em seus próprios lares. A estrutura familiar padrão se perdeu em meio a uma crise sócio-econômica que obriga todos a trabalhar e, cansados à noite, são poucos os que se dão à tarefa paciente, cuidadosa e amorosa de ouvir seus filhos. Em meio a tantas ofertas de consumo, exigência dos filhos até já denominada de a tirania dos baixinhos, muitos estão valorizando o ter em detrimento do ser, acreditando que formar aquele filho é dar o que ele pede para não ser diferente dos demais colegas.
Daqui a uns tantos 10 anos, por exemplo, como estarão nossos alunos que não conhecem limites? Onde estarão as garotas que chamam todo colega de gostoso e fazem fila para serem beijadas? Onde estarão os que saem de casa todos os dias para ir à aula e ficam vagando nas praças? Onde estarão as adolescentes que mandam bilhetes para os professores convidando-lhes para uma festa do cabide, do sinal, da cebola - sei lá!!!! Onde estarão os pais que não sabem como agir com seus filhos? O que eles receberão depois de tantas noites insones, depois de tanto presentes comprados à prestação para que o filho não se frustrasse, depois de concluírem que criança não precisa de limites, pois a vida lhe ensinará?
Gostaria de crer que a vida lhes ensinará tudo de bom!
Leis existem - e devem existir! - para proteger as crianças e jovens. Mas, onde estão as que protegem o educador que acredita que nenhuma metodologia pode prescindir de um tantão de carinho assim e um tantão de limites assado? Abraçar, cuidar, ouvir um aluno, comunicar aos pais suas ausências da escola, do seu comportamento sem limite, afrontando colegas e professores já foi até conceituado como omissão dos dirigentes escolares, que podem ser enquadrados, por que acreditaram que a escola tem como princípio básico cuidar dessas questões. Já se aconselha que ao ouvir um aluno não se faça sem que outro adulto esteja presente.
E eu que gostava tanto de abraçar meu aluno, que sentava com ele no banco para jogar conversa fora, que emprestava meu celular para que ele pudesse falar com a mãe, que deixava a minha bolsa na sala sem chave!
Adiós, que perdi minha esperança. Adiós, que arrancaram minha crença. Porém, "a vida é plástica; ela se adapta - com ou sem protestos, com ou sem deformações, com ou sem revoltas - a todas as condições da existência" (REICH, obra citada, p. 11).
Só um lembrete: minha família é pequena, apenas dois irmãos. Não levamos surras de nos marcar o corpo, tampouco a alma, deixando-nos frustrados, íamos à escola –e ai de nós se não fizéssemos as lições e ficássemos em segunda época – nunca estudamos em escolas particulares e raramente compramos livros escolares, usávamos os da biblioteca pública. Estudamos e hoje somos bons profissionais em nossas respectivas áreas. Temos experimentado sal e engolido sapo.
Mas, isso é outra estória. O tempo era outro, tinha outro nome. O tempo hoje se chama desorientação. E no falar drummondiano "as mãos tecem apenas o rude trabalho. / E o coração está seco".
(Imagem: O Cristo Amarelo - Paul Gauguin, pintor impressionista. Museu Buffalo).

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Bugol

  Nos idos dos anos 60, os Estados Unidos implementaram um programa de assistência aos países do terceiro mundo denominado de Aliança para o Progresso. Através dele, a população carente recebia alimentos para suprir as necessidades nutricionais, além de recursos financeiros para o desenvolvimento do estado, como casas populares, escolas. Dessa leva, em Natal se construíram o conjunto habitacional Cidade da Esperança e o Instituto de Educação Pte Kennedy, enquanto o navio Hope, ancorado no Porto na Ribeira, distribuía leite em pó e realizava tratamentos médicos e cirurgias que até então eram inacessíveis aos potiguares. O símbolo do programa era um aperto de mãos entre indivíduos, simbolicamente estadunidenses e latinos americanos. Os americanos não estavam preocupados altruisticamente em salvar populações da fome. Estavam muito mais interessados em fazer com que o comunismo não aportasse e conquistasse terrenos por essas bandas. Era o tempo da guerra fria, o mundo polari...

ReiNo TriVial?

  Tenho algumas lembranças do tempo de Faculdade quando cursava Licenciatura em Letras e tinha como disciplinas Literatura Brasileira e Estrangeira. As aulas eram no recém criado Campus da UFRN, o Setor II ainda sem as edificações vizinhas, constituindo-se em um quase deserto. Muitos dos professores eram recém chegados de Mestrados e Doutorados fora de Natal, alguns do exterior. O ensino era na base das aulas expositivas, seminários e ainda não era obrigatória a apresentação de trabalho final, TCC. Alguns deles marcaram minha trajetória acadêmica, embora não a profissional, pois esta só se firmou quando, pelas circunstâncias, precisei ingressar na função docente. A professora Jacirema da Cunha Tahim ensinava Teoria Literária e impossível não lembrar os contos de Clarice Lispector estudados. Daí a minha paixão pela escrita da autora, a lembrança mais resistente sendo o conto Tentação , de cujo início nunca esqueci: “Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das...

Ecce Homo

  Uma das passagens bíblicas mais conhecida, mesmo pelos que não professam a fé cristã, é a atitude de Pilatos em não assumir a liberdade de Jesus, preferindo entregar essa decisão ao povo, (difundido a expressão latina ecce homo – Eis o Homem) mesmo sabendo que Barrabás tinha crimes comprovados, enquanto Jesus, não. Não ter a coragem de decidir, pondo em risco sua posição diante dos superiores romanos, como também o medo da reação dos que apoiavam Jesus, preferindo demagogicamente levar o povo a acreditar que tinha o poder de decisão, o  fato é um exemplo poderoso do que a omissão, a fraqueza de uma pessoa pode provocar. Pilatos usou da tradição de se soltar um prisioneiro judeu no período que antecedia a páscoa, achou que o povo escolheria o criminoso confesso, ele ficando, portanto, bem com qualquer que fosse a decisão: cumpriria a lei condenando um criminoso, soltaria um inocente. Contrariando as expectativas de Pilatos, o povo decide por Barrabás, condenando Jesus. ...

De amOR e de temPO

    Ainda quando estudava o antigo ginasial, uma professora de Português, interessada em que os alunos gostassem de ler e apreciassem os clássicos, passou como tarefa de avaliação uma redação sobre o texto  AMOR MENINO par te II do Sermão do Mandato – mas isso só soube muito depois já na faculdade - do Pe. Antonio Vieira. Agora, imaginem a dificuldade de adolescentes nos idos final dos anos 60 em cumprir essa tarefa. O que sabíamos do amor? Nada. Do tempo muito menos. O amor era em preto e branco nas fotonovelas que eu comprava no sebo na banca da feira livre, hábito também o das minhas amigas com quem trocava livros e revistas, caso contrário não leríamos nada. Apesar dessas imagens de amor, não lembro se as conversas já rondavam assuntos de namoro, casamento. Acho que não, pois éramos àquela época imaturas para tais assuntos. O universo ainda girava em volta de livros, estudar para provas, sorvetes, ouvir música e meninos não faziam parte do grupo. Aliás, eram olhados...

SuSSuRRo

  A   mão corta a escuridão do quarto no afastar da cortina. A luz do poste lança sombras na parede. Sobre a cama uma indumentária de cigana a contempla. Não sabe como chegara ali.  Sonho.  Como sempre o relógio a acorda às 7 horas. E como de costume, pula da cama, termina de acordar sob o chuveiro, veste-se apressada, come alguma coisa, toma duas xícaras de café para acordar e sai. Não mais que 40 minutos se passara. Faz a maquiagem entre uma parada e outro nos sinais. Sons de buzina, freadas colaboram para o seu despertar. Depois de 40 minutos entre carros, 20 minutos dando voltas no quarteirão em busca de uma vaga, estaciona, desce do carro, bate a porta e caminha em direção ao prédio. Ao atravessar a rua, percebe que está sem bolsa. Assustada, pensa que foi assaltada, mas se dá conta que mal saíra do carro. Sem bolsa, o pensamento pula para a chave. Onde deixara? Dentro da bolsa, dentro do carro. Retorna. Porta destravada, pois a chave ficara na bolsa. No banco...

Vai de RetRO

Tem gente demais atrapalhando a vida de outros. Na hora de fazer o trabalho, não faz. Não sugere, não oferece críticas para melhorar.Trabalho realizado, concluído, fala. Reclama disso, desse, daquele e daquilo. O mar está todos os dias no mesmo lugar. As ondas vão e vêm. As fases da lua influem no movimento das ondas. Mas, as ondas não deixam de ir e vir. Seguem. Esperam que o mar continue favorecendo o movimento. Esperam que as areias se acomodem e se agitem no fundo do mar. Ou na praia. Esperar pelo outro é bobagem. O outro é o outro, sempre. Não se muda o mau caráter. O normal para ele é o de agitar a praia onde o outro se deita e se banha. Para ele é melhor enlamear a água, jogar areia e esperar a onda levar. De preferência para longe, para nunca mais. Não pensa que ele também é mar, é onda, é areia. Não pensa que um dia a maré não estará para tubarão, que ele pensa ser. Não se vê peixe em um grande cardume. O movimento do mar é inexorável. Nada para. Pode chover, pode fazer sol. M...