quinta-feira, fevereiro 1

Angústia de água

Há um rio. Sempre n'algum lugar há um rio. Águas que rolam e que se procuram à procura de outras águas. Caminho do mar. O destino da água é buscar sempre companhia. Água só não faz inverno.
Hoje a ela a vida se assemelha muito mais a água do que a outra coisa qualquer. No passado eram filamentos líquidos em sonhos de encontrar o mar, tornar-se ondas revoltas no vai e vem infindo à areia, ao mar.
Os sonhos povoavam a mente em forma de oceanos nunca dantes navegados na expectativa de um navio para lançar velas e navegar ao encontro de um horizonte. A água seria a libertação, o enfrentamento do medo - não sabia nadar - o porto seguro onde libertaria e de imediato enterraria os temores, pois deles não mais precisaria.
Um dia na contemplação do mar, sentiu o horizonte bem perto e ousou alcançá-lo, atravessando areia, água, quebra-mar. O horizonte recebeu aquele ser feito de sonho e - no desprezo do medo - ensinou-o a navegar.
Os dias foram de sol em plena água. Foram de chuva, crescente de água. As noites, brilhantes de estrelas refletindo a água. Meses, anos se transmudaram em água límpida, que matava a sede, aplacava desejos, reacendia a chama.
Um dia -sempre há um dia - o horizonte quis mudar de mar, alcançar outras águas. O movimento em perfeita sincronia começou a destoar de melodia. O horizonte cantava sol maior, a água, dó sustenido.
Ao olhar ao redor, viu-se a água cercada de água, entretanto só. Sem o horizonte não havia sol nem estrelas. Tudo se constituía num deserto de água, ondas, quebra-mares.
O horizonte não vive sem água, embora não quisesse aquela água. A água não vive sem horizonte, embora só desejasse aquele que lhe ensinara a navegar. Tantos diversos quereres levaram o horizonte a navegar, a água a mergulhar.
Mergulhando em si mesma, descobre a água que entregara sua essência ao horizonte e sendo água, água não era. Transformara-se em algo rarefeito, sem alma, sem rumo numa imensidão de mar.
Vez por outra o horizonte se aproxima, acena para a água e segue. A água segue só. Em sua alma não reside nenhum sonho. Apenas a vontade de naufragar no mar. Não o faz porque é triste morrer no mar.

2 comentários:

Anônimo disse...

Gostoso como ouvir Água Também é Mar - Marisa Monte.

Anônimo disse...

Não sei.
Tanta água e eu não encontro onde me afogue..só um pouquinho.

Que você merece muitos elogios pelo que escreve fica subentendido em tudo o que eu disser, tá? combinado? certo.
Abraço. Seja feliz.