Pular para o conteúdo principal

Pingo do meio-dia

Ai, meu Deus, como estou cansada!, e esse ônibus que não chega, esse calor, a parada cheia e esse homem ainda fica aí falando de política, quem quer saber disso, de que adianta... pelo amor de Deus, essa moça de bota num calor desse, só pode tá doida, tem gente que não tem senso, acho que vou comprar uma água de coco, pelo menos engana a sede até chegar no shopping, ainda mais essa... vou ver se tenho uma moeda, tem água de coco? Um copo, por favor, obrigada, lá vem o ônibus, vou beber logo se não na subida o povo derruba, tomara que dê preu sentar, do jeito que estou cansada, ainda ficar em pé até o shopping, ninguém merece, ainda bem que tinha lugar, vou abrir essa janela pra ver se fica menos quente, tomara que Josias não se atrase, do jeito que ele é, vai me atrasar, podia muito bem deixar para comprar esse tênis amanhã, esse menino ainda me mata, tenho que cortar um pouco as asas dele, inda mais agora que o dinheiro da gratificação diminuiu, não vai dá pra ficar comprando coisa e ainda se está pagando... Oi, tudo bem? É, mulher, tava longe, pensando... tudo bem. Como está Sara, passou no vestibular? Ah, que bom. Não, ele ainda está no primeiro ano, mas diz que vai fazer pra arquitetura, vamos ver, esse povo muda tanto de idéia. É verdade. Ainda, ainda estou lá. O de sempre, você sabe como é. Tem visto Carminha? Ah, eu também, esse povo some e fica difícil, parece até que a gente mora em outra cidade. Nem me fale, um corre-corre mesmo. Tá, vamos marcar, sim. Tchau, um abraço em Sara. Até parece que vai ligar, entra ano, sai ano, é a mesma conversa, nunca dão notícia, se eu não procurar, sei não!, acho que vou ler se não termino dormindo aqui. “Porque estou cansado. O Iraque é o reino do medo. Ninguém vai lhe dizer a verdade se aparecer com o seu tradutor oficial ou acompanhada por outros iraquianos desconhecidos. Poucos vão falar com você, mesmo que fique a sós com eles. Por uma só palavra, pode-se ir para a prisão durante vinte anos; e por uma só palavra, um estrangeiro pode desaparecer para sempre..”, quem decide guerra nunca pensa no povo comum, embora diga que a razão é salvá-lo, como será viver num país em guerra, as pessoas parecem ver com naturalidade, é difícil se colocar assim numa situação limite, ai que calor, bem que podia chover um pouco, ainda tenho que fazer aquele projeto hoje à noite, não sei pra quê disse que podia fazer, droga, agora vou ter que terminar, ainda bem que falta pouco, bem que Luciano podia ajudar, mas vai ficar vendo o jogo e ali morre, reclamando de cansaço. Boa tarde, passageiros, desculpem interromper a viagem de vocês, mas estou vindo do hospital, vocês podem ver aqui a receita,... de novo?, cada ônibus que se pega tem alguém pedindo, como ele pode interromper a viagem se o ônibus continua andando?, vou dar não, esse aí não tem cara de doente, podia tentar arranjar um biscaite, coitado!, deve ser difícil sem estudo, profissão, será que ele tem mesmo esses filhos?, vou dá não, quando eu voltar vai ter outro no ônibus, aí eu dou, já são doze e trinta e cinco, esse ônibus não anda, vou me atrasar, ainda tenho que almoçar, acho que vou comer sushi, melhor do que massa, preciso telefonar para Sônia, saber se ela vai ao aniversário de Lorena amanhã, pedir pra ela passar lá em casa e me pegar, ainda tenho que comprar alguma coisa, Vige Maria, esse mês é fogo, ainda tem os aniversários de Salete, de Lúcia e de Isabel, melhor conversar com o pessoal e fazer uma cota para o presente de Salete, assim não fica tão pesado. Oi. Estou no ônibus. Você já está no shopping? Ainda bem que não se atrasou. Tenho culpa se o ônibus não anda? Não, senhor, aproveite e vá olhando os tênis pra gente não demorar. Não, senhor, pode olhar preço também. Tá, Josias, tá, tô chegando, beijo. Com certeza ele vai escolher os mais caros, que saco, ainda tenho que argumentar com ele, dizer que também tem a irmã que com certeza vai inventar de comprar alguma coisa só pra não ficar atrás, ai, meu Deus, isso é que um calor, o que vou comprar pra Lorena, será que um livro tá bom, ela lê tanto, é capaz de eu não acertar, melhor comprar uma bijuteria, um brinco, ela adora essas coisas, será que Joana almoçou direito, aquela menina só pensa em emagrecer e nem gorda tá, vou levá-la ao médico pra ver isso, na próxima semana não dá, não vou poder sair do trabalho enquanto não terminar aquele relatório, ai que meus pés tão doendo, queria tomar um banho agora. Licença aí, por favor, vou descer, licença, facilite aí, por favor. Ai!

Comentários

Anônimo disse…
Ufa... haja fôlego Dnice!!!

Só tô preo com uma coisa, agora vc também lê pensamentos? A ordem não é bem essa, mas o ritmo... só faltou as conversa dos "eus". (rss)
Fantasma disse…
Ainda bem que o Josias não calça 47, némezz? Se não, seria uma preocupação a mais...

Postagens mais visitadas deste blog

Bugol

  Nos idos dos anos 60, os Estados Unidos implementaram um programa de assistência aos países do terceiro mundo denominado de Aliança para o Progresso. Através dele, a população carente recebia alimentos para suprir as necessidades nutricionais, além de recursos financeiros para o desenvolvimento do estado, como casas populares, escolas. Dessa leva, em Natal se construíram o conjunto habitacional Cidade da Esperança e o Instituto de Educação Pte Kennedy, enquanto o navio Hope, ancorado no Porto na Ribeira, distribuía leite em pó e realizava tratamentos médicos e cirurgias que até então eram inacessíveis aos potiguares. O símbolo do programa era um aperto de mãos entre indivíduos, simbolicamente estadunidenses e latinos americanos. Os americanos não estavam preocupados altruisticamente em salvar populações da fome. Estavam muito mais interessados em fazer com que o comunismo não aportasse e conquistasse terrenos por essas bandas. Era o tempo da guerra fria, o mundo polari...

De amOR e de temPO

    Ainda quando estudava o antigo ginasial, uma professora de Português, interessada em que os alunos gostassem de ler e apreciassem os clássicos, passou como tarefa de avaliação uma redação sobre o texto  AMOR MENINO par te II do Sermão do Mandato – mas isso só soube muito depois já na faculdade - do Pe. Antonio Vieira. Agora, imaginem a dificuldade de adolescentes nos idos final dos anos 60 em cumprir essa tarefa. O que sabíamos do amor? Nada. Do tempo muito menos. O amor era em preto e branco nas fotonovelas que eu comprava no sebo na banca da feira livre, hábito também o das minhas amigas com quem trocava livros e revistas, caso contrário não leríamos nada. Apesar dessas imagens de amor, não lembro se as conversas já rondavam assuntos de namoro, casamento. Acho que não, pois éramos àquela época imaturas para tais assuntos. O universo ainda girava em volta de livros, estudar para provas, sorvetes, ouvir música e meninos não faziam parte do grupo. Aliás, eram olhados...

CONjugaSÓS

Eu te conheço tu me conheces nós nos desconhecemos. Eu te amo tu me amas nós nos sufocamos. Eu te confio tu me confias nós nos duvidamos. Eu te prometo tu me prometes nós nos esquecemos. (Imagem: Eros e Psiquê - Edward Munch. Galeria Mun. de Arte - Oslo)

E por falar em saudade...

Há exatamente 28 anos entrava numa sala de aula pela primeira vez. As aulas do estágio não contam; contam esses anos que vivi rodeada de alunos a quem pude realmente chamar de meus alunos. Como tudo que é novo, naquele dia tive medo. Não sabia o que encontraria e sentia que o aprendido na Universidade não seria bastante. Saber dá aula é completamente diferente do saber o que ensinar. Saber o que ensinar é indispensável, mas saber o como é uma aprendizagem que transcorre no decorrer do tempo, através dos acertos e dos erros cometidos. Na época eu sabia o que ensinar, não como deveria ensinar. As teorias aprendidas eram palavras e palavras que não se aplicavam ali à frente daquele mundo de alunos, que, independente das idades, têm como passatempo predileto tirar o juízo do professor. E se vai tentanto: o bonzinho não dá certo, porque eles levam na bagunça; o tirano não dá certo porque eles fazem de tudo para sair da sala e tirar, no dizer deles, !a moral" do professor. A medida cer...

SuSSuRRo

  A   mão corta a escuridão do quarto no afastar da cortina. A luz do poste lança sombras na parede. Sobre a cama uma indumentária de cigana a contempla. Não sabe como chegara ali.  Sonho.  Como sempre o relógio a acorda às 7 horas. E como de costume, pula da cama, termina de acordar sob o chuveiro, veste-se apressada, come alguma coisa, toma duas xícaras de café para acordar e sai. Não mais que 40 minutos se passara. Faz a maquiagem entre uma parada e outro nos sinais. Sons de buzina, freadas colaboram para o seu despertar. Depois de 40 minutos entre carros, 20 minutos dando voltas no quarteirão em busca de uma vaga, estaciona, desce do carro, bate a porta e caminha em direção ao prédio. Ao atravessar a rua, percebe que está sem bolsa. Assustada, pensa que foi assaltada, mas se dá conta que mal saíra do carro. Sem bolsa, o pensamento pula para a chave. Onde deixara? Dentro da bolsa, dentro do carro. Retorna. Porta destravada, pois a chave ficara na bolsa. No banco...

Miolo de quartinha e carga d'água

Não adianta. Não adianta colocar os dedos sobre o teclado e fazer um download que me leve à inspiração quando os acontecimentos me travam para o escrever e preencher o espaço do blog esta semana. Já pensei numa série de coisas, fictícias ou reais, e nada. Já li alguns jornais em busca de uma notícia que merecesse um comentário e nada. E olha que encontrei um bocado de coisa: no Paraná, um cinegrafista morreu atropelado por um avião. O rapaz de apenas 26 anos, olhando pela angular da câmera, não percebeu que o avião estava verdadeiramente próximo e sofreu o impacto fatal. Um marinheiro russo, servindo em um submarino, foi preso porque plantou maconha em uns jarrinhos perto da escotilha e estava "abastecendo" os colegas (isso sim é que visão capitalista!); o estilista famoso da Luciana Giminez, Ronaldo não sei das quantas, foi preso no cemitério roubando dois vasos de flores. Ele se explicou cientificamente: disse que estava tomando um remédio antidepressivo que o fazia comete...