quinta-feira, março 13

Amor de feira

Não chega notícia nenhuma. Uma leve saudade a faz esperar, embora saiba que nada virá. Não pode culpar o carteiro, não se entrega carta que não é postada.
A carta pedindo notícias foi inútil. Sabe que foi entregue, pois fulano recebeu resposta a que mandara. Para ela nada. O silêncio é o adeus não pronunciado.
Paga pelo erro de gostar de frutas próprias de cada estação. O último encontro fora de muita conversa e nada. Não podia simplesmente sair de casa, deixar tudo assim como quem vai à esquina para logo voltar. Não cedera às exigências pedidas em nome do amor. Que amor?
O amor viera de caminhão com as frutas descarregadas no pátio da feira. Melões, graviolas, abacaxis, bananas, cajás da região que há muito não vê. Do avental tirara o dinheiro pagando a entrega e justando prazo para novo descarrego. Olhara bem aquele homem e o corpo de imediato estremecera. Mal disse obrigada e voltara para trás da banca.
Ele dera as costas indiferente a sua presença, interessado no dinheiro, na carga, na viagem de volta. Fora-se assim como chegara: de supetão, cheiro de abacaxi, cajás.
Agora se arrepende do prazo dado para nova entrega. Muito longo para tanta freguesia que acabara rápido os abacaxis, cajás, melões. Muito tempo para essa agonia do corpo que reclama um novo olhar, esquecido frenesi. Vai que chove e alaga as estradas? Como ficará o corpo depois de tanta sede?
O tempo escoa pelas telhas e o caminhão pela estrada, pátio da feira, acerolas, graviolas, abacaxis, serigüelas, mangaba não que é fruta que dá em qualquer lugar. Não pode deixar de sorrir: tá madura caindo de amores por um desconhecido. Grande coisa! Sabe lá que diabo é isso, essa agonia desatada de olho no calendário, admirando fruta besta em banca de feira!
Quando o ranger dos freios do caminhão se faz anunciar, a boca já derrama tudo que tinha planejado: quer a safra toda de abacaxi, dez caixas de melões, de caju que tá na época, graviolas, cajás e umbus verdes, até mesmo dez caixas de jambo que a gente daqui não tem em calçada. E vamos tomar um café lá em casa para se acertar formas de pagamento?
Na quentura do café desarrumara a cama e se fartara de todas as frutas da estação. As telhas ficaram paradas pelo tempo do olho aberto aos sentidos, braços e pernas como caranguejos naquele mangue de sua infância onde em todo carnaval se lambuzava, foto de bloco de cão aparecendo na televisão. Não quer saber da dona do dono do caminhão, da filha que a qualquer hora porta adentro, se é tarde ou cedo, dia de feira ou não.
Depois de tantas feiras, o ranger dos freios foi perdendo o guincho de paixão, o cheiro e o mel do abacaxi se tornaram banais. Não pedira para ser dona do caminhão. Para que fazer o tempo só de cajus, cajás, graviolas e serigüelas, quando nas outras estações há tantos morangos, pêssegos, nectarinas, ameixas, maçãs e uvas?
Uma leve saudade e o ar já se enche de jacas, goiabas, do doce mel do sapoti no ranger de novos freios que descarregam.

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